Natural de Divinópolis e radicada em Belo Horizonte, a compositora, cantora e instrumentista, Marina Gomes atua há mais de uma década no cenário da música, sendo o samba o estilo que inspira e impulsiona sua arte.
Para além da carreira solo, Marina já se envolveu com diversos projetos musicais como Samba da Silva, Samba da Madrugada, Roda Viva, entre outros. Além disso, é fundadora do projeto Samba da Criação, roda de samba que valoriza os compositores de Minas Gerais. É integrante dos grupos de choro Abre a Roda - Mulheres no Choro, Samba da Nossa Terra, Choro Vadio e A Quarteta. Também é integrante e fundadora da banda Pagode das Mina e do Coletivo Donas de Si.
Seu trabalho mais recente é o disco Central do Amor, lançado em maio desse ano. Diferentemente de seu primeiro disco, O Samba é Meu Guia (2015), em Central Marina aposta num formato intimista, tendo como base um trio formado por contra-baixo acústico, bateria e violão.
Em entrevista ao Phono, Marina fala sobre sua formação musical, referências, diferenças entre seus discos solos, o processo de gravação e composição de Central do Amor, a importância de se verbalizar o amor em tempos de discurso de ódio, participações especiais, a cena musical de BH, planos futuros e muito mais. Confira!
PHONO: Como se deu sua relação com a música e em que momento você percebeu que se tornar uma cantora seria uma opção de vida?
A minha primeira relação com a música foi em casa, com meus pais e minha família materna. Percebi que seria meu ofício quando me envolvi em projetos musicais em Belo Horizonte com referências do samba da cidade e fui acolhida, mesmo sendo estrangeira, de outra cidade, de fora daquela comunidade.
PHONO: Como o samba atravessou sua vida ao ponto de se tornar a principal força motriz seu fazer artístico.
Sempre lembro minha família quando sou perguntada sobre o samba, foi lá em casa, na casa dos meus avós maternos que escutei samba pela primeira vez.
No fundo da casa dos meus avós tinhas um quartinho, carinhosamente chamado de Só Cabe Seis. Foi lá, circulando entre o banquinho que apoiava a cerveja, e alguns familiares, meu primeiro contato com a música. Era cantado o verdadeiro cancioneiro nacional. No repertório, samba, claro. Minha madrinha e meu tio Marcelo cantavam e tocavam violão, alguma percussão para acompanhar também eram bem-vindas. O auge era quando vovó chegava na roda e cantava, "Ai Ioiô". Fiz uma gravação dela no meu primeiro disco, O Samba é Meu Guia, em homenagem à vovó e a toda minha ancestralidade.
PHONO: Quais são as principais referências musicais que norteiam e influenciam o seu trabalho?
Alcione, Maria Bethânia, Elizeth Cardoso, Áurea Martins, Jovelina Pérola Negra, Beth Carvalho, Jorge Aragão, Pixinguinha, Paulo César Pinheiro, Roque Ferreira e outros.
Estamos precisando de conforto, de afetos sinceros, ouvidos sem julgamentos.
PHONO: Oito anos separam o lançamento de seu primeiro disco (O Samba É Meu Guia) para o recente (Central do Amor). Quais são as principais diferenças entre os dois dois discos?
Meu primeiro disco foi pensando e gravado como um disco cheio, com o regional completo de samba e outros elementos que surgiram em decorrência da concepção de alguns arranjos, como naipe de sopro em "Coração Valente", "Brasis" e "O Samba é Meu Guia", e quarteto de cordas em "Canto de Fé".
Já Central do Amor é um disco com um som mais intimista, tendo como base um trio de contra-baixo acústico, bateria e violão. Algumas canções ganharam um ar diferente, externos aos elementos do trio, que é o caso de "Dori das Ostras", que apresenta um diálogo harmonioso entre o trompete de Silvério Pontes, que assina a autoria e o arranjo da faixa, e o trombone de Marcos Flávio. Já a canção "Dandalunda" traz o diálogo do violino, contra-baixo acústico e violão de 7 cordas.
PHONO: Como foi o processo de composição e gravação do disco?
Eu já vinha com a ideia fixa de gravar um disco que trouxesse o amor como tema principal e também a vontade de sentir o samba em formato reduzido, sem o regional completo. Em 2017, fui convidada para integrar a programação do projeto BDMG Cultural e nesta ocasião convidei os músico Bruno de Oliveira (contra-baixo), Thiago Lima (violão) e Ney Corrêa (bateria) para esta apresentação. Foi meu primeiro contato com este formato que tanto queria experimentar.
Em 2019, comecei o movimento para a produção do meu segundo disco, Central do Amor. Fiz uma campanha de financiamento coletivo muito positiva e defini o repertório. Começamos a gravar e fomos atropelados pela pandemia da Covid-19. Assim que pudemos, retornamos para o estúdio e finalizamos o álbum, que foi lançado no primeiro semestre de 2023.
PHONO: Verbalizar e musicar o amor, em tempos de discurso de ódio, é uma das atitudes mais nobres que a arte pode oferecer, pois funciona com antídoto para os tempos de retrocesso que vivemos. Qual é, para você, a importância de hastear essa bandeira na contemporaneidade?
Estamos precisando de conforto, de afetos sinceros, ouvidos sem julgamentos.
A escolha pelo sentimento genuíno, que estou em busca de encontrar em mim mesma, é que o desejo cantar, compor e trazer na minha música. Que ela atravesse e consiga romper a geleira do ódio trazendo alento.
PHONO: O disco é cheio de participações especiais como Aline Calixto, Thiago Delegado, Nath Rodrigues, entre outros. Nesse sentido, como é a sua relação com cada artistas? Quais as contribuições eles trouxeram para o resultado final?
Na música, percorremos diversos caminhos, e por onde se passa as conexões são possíveis. Todas as amigas e amigos convidados do disco tenho uma relação direta e sincera. Tanto instrumentistas, arranjadores, cantoras.
Nath Rodrigues é uma musicista que acompanho e admiro há muito anos. Em meados de 2019, a convidei para a criação de um novo projeto e ela topou, o Pagode das Mina. Foi no pagode que encontramos nossas conexões musicais. Em Central do Amor Nath toca violino na faixa "Dandalunda" e assina a autoria da música "Pra Falar de Amor", que fecha o disco, com Clara Delgado, Thiago Delegado e Vini Ribeiro.
Conheço Aline Calixto já um bom tempo, mas estreitamos os laços de fato na gravação de seu DVD de 10 Anos de carreira, que tive a alegria de participar. Em seguida, ela me deu a honra em dividir a autoria de "Dançando com Oxossi" no disco Pontinhos de Amor.
No disco Central do Amor, Aline divide os vocais comigo em "Perfeito Abrigo", ijexá que assino em parceria com Betinho Moreno e Fábio Martins.
Com Thiago Delegado a história é mais antiga. Nosso primeiro encontro foi com o grupo Samba da Silva que integrava em meados de 2008. De lá pra cá, são alguns encontros importantes até culminar em nossa primeira parceria em seu mais novo disco de canções Detalhes de Guardados de 2021, na canção "Mina do Barreiro" que assino a letra com Bobô da Cuíca. Em Central, Delegado assina a autoria de "Nem Ligo" em parceria com Edu Krieger.
Em "Pra falar de amor", com Nath Rodrigues, Clara Delgado e Vini Ribeiro, assina a autoria, o arranjo e executa e violão de 7 cordas. Na canção Âmbar assina o arranjo.
PHONO: A cena de Belo Horizonte vive, nos últimos anos, um dos seus melhores momentos, graças a variedade de artistas e espaços. Como você vê esse momento?
Os novos espaços, casa de shows, bares musicais, festivais, saraus, todas essas iniciativas mais a pulsão criativa da classe artística de BH só podia culminar num momento positivo da cena. Vejo que se mantivermos a boa entrega e conseguirmos boas negociações com o poder público, contratantes, patrocinadores, teremos de fato a possibilidade de viver uma estabilidade da classe artística na cidade, principalmente do samba, que muito foi colocado à margem.
PHONO: A partir do lançamento de Central do Amor, quais são seus planos futuros?
Neste momento, vislumbro a circulação do disco, buscando tocar em outras capitais e no interior de minas. Futuramente a busca pelo exterior e a circulação de um show autoral em formato reduzido. Em 2024, já penso em selecionar o repertório do terceiro disco, tenho algumas canções inéditas no forno.
Escute Central do Amor
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