Estamos prestes a presenciar um evento de importância indiscutível. A banda Diesel conseguiu a tão improvável e tão almejada reunião para celebrar os 25 anos de lançamento de Diesel (2000). A apresentação foi agendada com exclusividade para acontecer n’A Autêntica, palco que inúmeras vezes recebeu os comparsas Gustavo Drummond, Ian Dolabella, Thiago Correa, Leonardo Marques e Jean Dolabella, em shows lendários que certamente permanecem vivos nas lembranças de alguns tantos privilegiados.
Adianto, que esta resenha é daquelas difíceis de escrever por dois motivos. O primeiro é que é impossível se distanciar do lugar de fã que devorou o disco desde o lançamento e frequentou incontáveis shows. Abro parênteses para ilustrar que, durante os trajetos da faculdade, levava comigo um walkman com uma K7 caseira que se tornou uma prova da durabilidade do formato. O outro ponto é que, fazer entender a trajetória da Diesel e explicar o fenômeno que significaram como banda independente fazendo rock em inglês na capital mineira há duas décadas atrás pede muitas laudas e um título na lombada.
Comprei o CD do Diesel, provavelmente na ProMusic, por intimação de alguém próximo à banda. Já ouviu? Tem que ouvir. Achei tudo de muito bom gosto. A foto de capa, muito direta e com personalidade, o encarte com as letras manuscritas, o selo branquinho, a foto da banda em perspectiva. A primeira audição foi uma chuva de boas impressões, mas tinha algo ali que ia além. É como se estivesse ouvindo as músicas certas no momento certo. Faixa após faixa, fui impactado pelas melodias, pelas frases tatuáveis, pela energia e pela dinâmica, que justificam ter se tornado meu disco de cabeceira à época.
Mas, calma! Não bastasse o disco, ainda havia um ingrediente que catapultaria o meteoro Diesel. A performance da banda não só era condizente com o som que propunham, como estabelecia uma conexão com o público que raramente pude presenciar. A Diesel conquistou uma legião de fãs incondicionais que acompanharam, apoiaram e ajudaram a projetar a banda desde sempre e até o final. Um caso emblemático foram as excursões para a seletiva da Escalada do Rock que levariam a banda a abrir o Rock in Rio III.
O Show
Vinte e cinco anos depois, o que esperar do show de comemoração?
Os integrantes da Diesel nunca abandonaram os palcos. Cada qual com seus projetos, Gustavo, Jean, Leo e TC se mantiveram dedicados à música e hoje colecionam histórias de projetos muito bem sucedidos. O que se sabe, através do perfil @dieselreunion é que a banda se preparou para encarar novamente o fiel e sedento público que virá de todas as partes do mundo fazer coro e pular junto.
Para quem curtiu a Diesel, será a oportunidade de rever a formação executando o disco na íntegra, mas também de reviver a época e reencontrar pessoas. Para quem tem pouca noção do que a banda representa, é bom deixar claro que, tal qual um cometa, estamos falando de um show histórico e sem precedentes. Apenas apareça!
O Disco
O CD de 12 faixas, que se transformou em item colecionável, é o registro das composições de Gustavo Drummond ao lado de uma banda de sinergia rara, mas também representa a trilha sonora daquela época, daquela galera que lotava o Lapa. A carreira da Diesel transformou e inspirou a cena autoral e é ainda hoje um marco na história da música de Belo Horizonte.
Para celebrar os 25 anos do lançamento de Diesel, fizemos uma análise faixa a faixa da obra. Acompanhe!
Drain
O disco abre com a tensão criada pela cozinha em cadência crescente. Logo na primeira faixa Gustavo Drummond apresenta o potencial e extensão vocal que são uma constante no disco. Letra e melodia revelam uma angústia insuportável que evolui para raiva e revolta expressa nas distorções e gritos rasgados.
A música explora os sentimentos de rejeição e abuso, destacando a busca desesperada por aceitação e a dinâmica entre oprimido e opressor. A letra revela uma profunda vulnerabilidade e desejo de compreensão, questionando a natureza do amor e da responsabilidade parental em relações abusivas.
“Drain” é um excelente cartão de visitas que entrega o peso e a energia do disco.
Plastic Smile
A segunda faixa inicia com o refrão que soa como um soco. A sarcástica faixa detém o posto de necessária nos shows da banda. Os gritos urgentes e desesperados que se ouvem são de Ian Dolabela que não poupa o gogó (especialmente ao vivo).
Versando sobre glória e decepção, “Plastic Smile” trata da dicotomia entre fama e autenticidade, destacando como a pressão para manter uma fachada de felicidade e perfeição leva à perda da identidade. A metáfora do "sorriso de plástico" ilustra a superficialidade e o sacrifício associados à busca por reconhecimento.
Burn My Hand
A faixa é das mais intensas e empolgantes do disco. Foi a escolhida para abrir o show do Rock in Rio III e era marcada nas apresentações pelos contagiantes saltos do trio durante o riff. É possível fechar os olhos e sentir toda emoção transmitida pela voz de Gustavo Drummond, especialmente nas partes mais altas.
"Burn My Hand" explora a dor profunda e a busca por compreensão após a perda de um ente querido, refletindo sobre o impacto emocional do suicídio e a sensação de que a própria vida foi destruída junto com a do outro. O refrão expressa um desejo intenso de enfrentar e superar a dor e o medo.
Destaque para a paisagem intimista criada pela melodia e microfonias de guitarra no ato final.
Kill the Inner Loser
Seguindo a mesma estrutura das anteriores, “Kill the Inner Loser” é envolvente e ganha potência, verso após verso, até explodir no refrão que soa como um mantra de positividade. Sendo uma das composições mais antigas de Gustavo Drummond, não seria exagero creditar a ela a alcunha de embrião da banda.
A canção versa sobre a batalha interna contra a insegurança e a autossabotagem, enfatizando a importância de enfrentar desafios com determinação e superar dúvidas pessoais. A repetição da frase "Kill the inner loser" simboliza a luta para eliminar a autocrítica e encontrar validação externa. A letra transmite uma mensagem de resiliência e perseverança diante das dificuldades.
My Pain
Um dos pontos altos do disco, “My Pain” é visceral e soa catártica ao vivo. Com intro sutil, as camadas se revelam em doses de turbulência e calmaria. A subida e virada antes do último refrão elevam a tensão na medida certa para um pedido nada discreto de redenção.
A dor emocional e a luta contra a depressão, contrastando o passado idealizado com o presente doloroso e sufocante, constituem o tema. A busca por libertação e compreensão, é ilustrada por metáforas de vulnerabilidade e traição para expressar o desejo de cura diante da influência negativa das expectativas alheias.
The Sun Drenched in Mud
A sexta faixa é enérgica e lamacenta, como o título sugere, com distorções encorpadas, cordas abafadas e pausa dramática. Empolga pela velocidade do refrão cantado quase no limite do fôlego.
Entre o arrependimento e a dor da partida, “The Sun Drenched in Mud” é um lamento sobre separação onde há o reconhecimento das falhas, mas também a reafirmação da identidade e a necessidade de seguir o próprio caminho. Os versos finais surpreendem ao sugerir uma chance de reconciliação e entendimento.
Far
A faixa mais intensa e melódica também versa sobre a distância de uma separação. “Far” tem um dos refrões mais memoráveis do disco. Efeitos de pedais aparecem de forma providencial, agregando um colorido muito bem-vindo.
Aqui o processo de superação e despedida é doloroso. Há o desejo de se libertar dos medos e das lembranças, e aceitar o fim. Apesar da amargura e da saudade de um tempo mais próximo, há também um desejo de seguir em frente acompanhado por um voto de bem-estar.
Redhead Saint (3 of a Kind)
Umas das faixas mais regulares em estrutura, que poderia ser enquadrada como “pop” não fosse a fúria do refrão. Guitarras inflamadas por pedais conduzem a ligeira canção a mais um desfecho melódico.
A letra reflete sobre o desejo de se libertar da dor e do ódio acumulados ao longo dos anos e a necessidade de dizer adeus. A música aborda a luta interna para se reconectar com sua própria identidade e buscar a reconciliação. Uma leitura possível é que 3 of a kind se refira à tríade familiar.
4D
Única música a ganhar videoclipe, “4D” é disparada o hit do disco. O refrão a la Max Cavalera somado ao ritmo galopante fazem dela a música cantada a plenos pulmões nos shows. Foi ao som de “4D” que a plateia de 250 mil pessoas se pôs a pular no Rock in Rio.
O texto chama atenção à alienação na sociedade moderna, destacando a indiferença e o sofrimento como consequências de um mundo impessoal e capitalista. É daquelas letras que, não só envelheceram bem, como ganharam novas leituras com o avanço da tecnologia que acaba por gerar desconexão emocional e a perda de humanidade.
The Sleeping Giant
Para bater cabeça na frente do palco. Em “The Sleeping Giant” a voz de Gustavo beira o gutural. É uma das músicas mais rápidas da Diesel em que se destaca também o brilho da prataria. A partir daqui o disco fica ainda mais groovado e pesado.
A música desperta um senso de comunidade e destaca a vontade de superar medos e a importância de transformar o destino por meio da colaboração, do entendimento e apoio mútuo. Um convite para abandonar as reservas e preconceitos para se reconectar e encontrar um caminho juntos.
Nonsensical
Irmã de “4D”, “Nonsensical” era a preferida de muitos fãs nos idos de 2000. É talvez a faixa mais pesada do disco.
“Nonsensical” é um tema de desilusão e frustração que reflete sobre expectativas não atendidas e o vazio resultante disso. Trata da complexidade das emoções ao confrontar a realidade de uma conexão insatisfatória. A raiva refletiva nas pesadas distorções se equilibram com um refrão memorável que ganha novos versos ao longo da música e acaba por sugerir cumplicidade na culpa.
Pulltaqueopariu
A faixa que abre com uma brincadeira nos bastidores é também uma composição de primeira fase. Carrega elementos do metal e soa propositalmente lo-fi. Não raramente, ficava de fora do setlist em shows ou aparecia como bis.
A música sugere uma transformação em um reflexo sombrio, representando um lado oculto e perturbador a ser enfrentado. A menção a ações extremas, o enfrentamento do medo e verdades desagradáveis soam como provocações insanas.
Apesar de destoar do conjunto, “Pull” é direta e cumpre a função de fechar o disco com aquela brutalidade que a gente curte sim, e daí?
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