Entre o caos e o cosmos: Desastros fala sobre seu disco de estreia
- Bruno Lisboa
- há 2 dias
- 15 min de leitura

Formada por cinco artistas profundamente enraizados na cena musical mineira — Sara Não Tem Nome, Bernardo Bauer, Pedro Hamdan, Julia Baumfeld e Felipe D’Angelo — a banda Desastros chega ao seu primeiro álbum carregando a maturidade de trajetórias diversas e a liberdade criativa de quem se permite experimentar. Lançado pelo selo Grão Pixel, o trabalho nasceu no Estúdio Cais, em Belo Horizonte, onde os integrantes se revezaram em instrumentos, texturas e timbres para construir um universo sonoro que cruza Indie Pop, MPB, Dream Pop, Art Rock e atmosferas eletrônicas.
Ao longo das nove faixas, os Desastros combinam guitarras, sintetizadores, percussões caseiras, vozes múltiplas e imagens de cartas, búzios, nebulosas e buracos negros, numa narrativa que costura ciência, misticismo e filosofia. Essa busca imaginativa também se estende ao projeto visual, assinado pelos próprios integrantes e artistas convidados como Randolpho Lamonier, resultando em uma estética que mistura materiais orgânicos, circuitos eletrônicos e um imaginário espacial de sabor brasileiro. O álbum ainda conta com as participações especiais de Digo Leite, Manuela Mares, Flora Magalhães e Tom-Lee Richards.
A seguir, os Desastros comentam, por e-mail, alguns pontos essenciais que atravessam a obra. Eles falam sobre o imaginário cósmico que estrutura o disco (“A gente queria soar como quem observa a Terra de muito longe e, ao mesmo tempo, como quem está preso dentro dela”), sobre a crítica ao antropocentrismo (“Pensar a humanidade como poeira não é pessimismo, é responsabilidade”), sobre o processo coletivo de criação (“Ninguém tem um papel fixo na banda — a gente vai ocupando o espaço que a música pede”) e sobre a construção das visualidades (“O disco só fez sentido quando entendemos que a imagem também era parte da narrativa sonora”). Também abordam a presença do humor, o diálogo com desastres ambientais, a necessidade de imaginar futuros possíveis e o modo como, desde 2019, transformam encontros casuais em paisagens sonoras. Confira!
O álbum de estreia do Desastros nasce de uma comunhão criativa entre cinco artistas com trajetórias consolidadas na música e nas artes visuais. Como foi esse processo de convergência de universos tão distintos dentro do estúdio?
Bernardo Bauer: O primeiro encontro do que se tornariam os Desastros aconteceu no dia 2 de janeiro de 2019. Foi o dia em que eu (Bernardo) conheci a Sara, na casa da Julia, que era nossa amiga em comum e ela queria nos apresentar. Nesse mesmo dia, a gente sentou junto ao Pedro Veneroso, que também estava lá, e compusemos a canção "Anos-Luz", que falava sobre aquela virada de ano estranha. Era o dia da posse do Bolsonaro, a gente estava bem atordoado e esse acabou sendo o tema da primeira faixa que compusemos.
Ali a gente já sentiu que os universos convergiam muito, e trabalhamos juntos em vários projetos diferentes desde então (Sara cantou no meu disco solo, Ju fez clipe desse mesmo disco e depois montamos um coletivo de música dedicada a crianças (Sítio Rosa), Sara teve banda com a Ju (Tarda), eu gravei no disco solo da Sara, enfim, há entre nós uma sintonia e vontade de fazer coisas juntos que é super natural).
E aí a gente foi regando lentamente essa ideia de que um dia gravaríamos nosso próprio disco, e nesse processo nos aproximamos do Felipe e do Pedro, que eram meus companheiros de Moons, e eles empolgaram muito com as músicas e tinham muito a somar musical e conceitualmente, e de repente percebemos que aquilo ali estava se tornando numa banda.
Dentro do estúdio a dinâmica foi bem natural - e, claro, um tanto caótica. Quando começamos a gravar as primeiras canções, já existia essa diretriz “espacial” pro álbum. A ideia era misturar essa viagem cósmica à nossa onda de fazer canções, nesse pop estranho que é natural pra gente. E nos processos de arranjar as músicas sempre tinha alguém com um caderninho escrevendo e desenhando coisas, criando esse universo sinestésico de ironia, apocalipse, brincadeira e cosmos. Lembro da Ju desenhando a “aerolhasa”, que era a representação da cachorrinha que estava no estúdio vestida de astronauta. A gente levava livros de cosmologia e estudava muito esses assuntos durante a gravação do disco - e acabamos por fazer músicas novas nesse processo também. A verdade é que foi um processo bem livre, em que hora a gente focava em realmente gravar as canções que estavam compostas, mas tinham vários momentos em que a gente desvirtuava e começava uma idéia nova, se empolgava e acabava gravando a faixa que estava nascendo ali no momento. “Só um Bicho” e “Via Láctea” são bons exemplos desse método de composição espontâneo que aconteceu no estúdio e foi gravado no mesmo instante em que foi concebido.
O grupo surgiu da proposta de compor uma música a cada encontro. Em que momento essa dinâmica intuitiva se transformou na ideia de gravar um disco?
Bernardo Bauer: No mesmo dia em que eu conheci a Sara na casa da Ju e a gente fez uma música, e ali combinamos que todas as vezes que a gente encontrasse dali pra frente faríamos uma música nova. E nesses encontros nasceram 4 faixas (Desastres, Sono Profundo, Anos Luz e Buraco Negro). Todas elas nasceram em 2019, e a gente sonhava em gravar um EP com elas, sempre falávamos disso mas ainda não tínhamos muito uma idéia de como viabilizar isso tudo. A gente chegou a gravar algumas demos, mas era difícil realmente investir o tempo necessário para finalizar o projeto.
E aí teve pandemia, cada um acabou indo pra um lado por um tempo, e quando soubemos da Lei Paulo Gustavo decidimos inscrever o nosso EP no edital e fomos aprovados. Quando tivemos o projeto aprovado marcamos uma imersão de 15 dias no Cais, e nela acabamos mudando bastante a direção do projeto todo. Deu muita vontade de gastar nosso tempo juntos, livremente, ali dentro do estúdio, experimentando linguagens e sons, e acabamos nos entregando para o processo. Quando a gente percebeu, aquele EP tinha se tornado um álbum cheio.
A sonoridade do álbum é um mosaico de referências — indo do Indie Pop ao Art Rock, passando pela MPB e pelo Dream Pop. Como vocês chegaram a esse equilíbrio entre o experimental e o melódico?
Bernardo Bauer: Acho que isso é um caminho bem natural pra nós cinco, sabia? É realmente o que a gente sabe fazer, não sei se houve um desejo manifesto de alguém dentro da banda em buscar este equilíbrio, mas acho que era o caminho que esse coletivo tomaria de todo jeito. A gente gosta muito de fazer canções, música com verso e refrão, mas também gostamos muito de experimentar texturas e gastar onda fazendo jam. O Felipe tem essa pesquisa muito profunda com o universo dos sintetizadores, e durante as gravações estava nessa pilha. A Sara saía cantando o que vinha na cabeça dela, eu e Pedro seguíamos o fluxo. A Ju ajudava a lapidar as letras e a dar direção estética e artística pro projeto como um todo. E no fim, quando a gente empolgava significava que estava legal, mas muita coisa acabou sendo descartada também.
Sara: Depois que o álbum estava pronto, nos encontramos para pensar juntos as influências e referências conscientes e inconscientes que percebemos nas músicas. Pra nós não era claro quais eram os estilos musicais do álbum como um todo, chegamos até a inventar alguns termos para conseguir abraçar a variedade sonora que percebemos nas músicas. Entre os estilos que pensamos/inventamos estão - space mpb, folk cósmico, balada indie, indie onírico, pop apocalipse, batuque de rio, crônica pop, indie rural e synth gospel. Foi um exercício de abstração muito divertido, que nos fez imaginar em quais universos as músicas transitam. Dos artistas e bandas que gostamos e percebemos influências, ressaltamos o Pink Floyd, Bjork e Radiohead nos internacionais. Nos nacionais certamente o Clube da esquina, Tom Zé, Itamar Assumpção, Mutantes e Uakti. Na galera que é contemporânea da gente, pensamos na Jadsa, Yma, Guto Brant, Ava Rocha, Negro Leo, Bruno Berle e Luiza Brina.
Há uma força muito visual nas músicas, quase cinematográfica. Isso vem da convivência com o cinema e as artes visuais? Como essas linguagens se entrelaçam na identidade do Desastros?
Sara: Venho buscando a conexão entre minha produção musical e visual desde quando comecei a criar. A minha relação com a música, artes visuais e cinema, aconteceu concomitantemente em um processo natural de retroalimentação. Sempre achei mais orgânico, criar elos entre as temáticas e assuntos que me interessavam, independente de qual linguagem ou ferramenta seria utilizada para materializar minhas ideias. Durante o mestrado, pesquisei os processos criativos de mulheres multiartistas, como a Yoko Ono e a Laurie Anderson, que em suas carreiras, atuaram diluindo a hierarquia entre a música, a performance, as artes visuais e a literatura, por exemplo. Nos Desastros, buscamos ampliar as conexões, trabalhando com temas e teorias que passam por várias áreas do conhecimento, como a astronomia e a astrologia, que foram surgindo nos nossos encontros e processos. O pensamento musical, visual, poético e filosófico se entrelaçam abrindo possibilidades múltiplas de criação. As áreas de conhecimento se complementam, trazendo complexidade e profundidade para a obra final, seja ela uma música, um vídeo, ou um show. Em diversos momentos de nossas imersões criativas, percebi que buscamos criar paisagens e atmosferas que atingissem outros sentidos, além da escuta. Nosso desejo é tornar a experiência o mais rica possível, para que as pessoas possam se conectar a esse universo que propomos.
O disco dialoga com temas amplos: o fim do mundo, o colapso ambiental, a nossa relação com o cosmos. Como se deu o processo de composição lírica do repertório?
Bernardo Bauer: Não foi tão planejado de antemão, mas olhando pra trás, dá pra traçar uma cronologia de como a temática de uma canção foi influenciando a outra e criando este conceito.
Primeiro a gente fez “Anos Luz”, nessa coisa desesperada de ver um ex-militar com fortes flertes fascista assumindo o governo do nosso país. Ali a coisa já apontava que nossos temas não seriam muito leves. A segunda faixa que a gente compôs foi “Desastres”, que seguia um pouco essa temática do fim do mundo, falando de como os desastres sociais e ambientais estão gritando, mas ali foi inserida uma viagem mística, de astrologia, búzios, cartas. A terceira música que fizemos foi “Buraco Negro”, já inspirados por essa idéia de astrologia mas começamos a imergir em conceitos de física e astronomia, ficamos fascinados por isso. Já “Sono Profundo”, foi uma canção mais terrena, né? Brincamos entre nós que era a epopéia do cotidiano. É uma canção que aterrava a nossa história, lembrando que a gente estava olhando pro planeta e pro universo de uma perspectiva totalmente humana, no fim das contas.
Essas quatro músicas deram o tom de qual seria o conceito geral das outras que acabaram nascendo espontaneamente no estúdio. E foi legal porque quando se tem um conceito definido, a gente acaba se inspirando muito. O difícil foi parar de fazer música e escolher quais realmente iriam pro álbum, no fim das contas. Tem músicas que eu puxava uma letra, outras a Sara. Tem “Estrela Mãe”, que é uma faixa que o Felipe e a Sara fizeram juntos num dia que ninguém mais pôde ir ao estúdio. Acho que eles podem falar mais sobre isso…
Sara: Alguns dos temas que abordamos no álbum, já havíamos trabalhado em músicas de nossos outros projetos. No meu último álbum solo, “A situação” trato em várias músicas sobre as diversas crises que enfrentamos. De forma poética e reflexiva falo nas músicas sobre golpes políticos, retorno de ideias conservadoras e fascistas no poder, destruição ambiental, exploração, desigualdade social e luta de classes. Uma questão que apareceu nos Desastros, que permeia o álbum como um todo, é nosso questionamento em relação à forma exploratória que a humanidade tem lidado com os recursos animais e naturais. Somos contrários a essa ideologia extrativista, onde o ser humano é colocado no centro de tudo, causando danos ambientais irreversíveis para manter sociedades adoecidas e desiguais, desconectadas da natureza. Na música “Só um bicho”, por exemplo, trazemos a perspectiva de que somos ínfimos, um grão de areia, uma poeira no Universo. Achamos muito importante repensar nosso lugar na sociedade, no Mundo, perante a grandeza do Cosmos que nem conseguimos mensurar. Pensar a finitude, o tempo, o espaço, o micro e o macro, nos interessa e surge em diversos momentos criando o conceito do disco. Em “Estrela Mãe” trazemos a grandeza do Sol e a beleza das montanhas de Minas Gerais, que são constantemente atacadas e destruídas pela mineração. Um dos nossos desejos quando criamos, é propor questionamentos e mudanças através da música, apontando caminhos para o que realmente deveria ser importante para a humanidade.
O processo de gravação foi todo conduzido por vocês no estúdio Cais, em Belo Horizonte. Que importância teve essa autonomia na construção estética e afetiva do disco?
Bernardo Bauer: A história do estúdio Cais se confunde com a própria história dos Desastros. Na verdade, as primeiras gravações que fizemos na história do Cais foram as demos e guias desse disco, em 2022. Acho que foi legal e foi um desafio essa autonomia na construção estética, especialmente por termos a intenção de ser um grupo horizontal, sem hierarquias, isso traz uma cor toda especial pro álbum, porque ele acaba passeando por sonoridades, né? Alguém sempre acaba indicando um universo estético pra cada faixa durante a construção dela, e o grupo vai seguindo e confluindo e/ou contrapondo. É um processo muito interessante e caótico, acho que o resultado acaba representando bem essa multiplicidade.
Vocês utilizam instrumentos não convencionais — como percussões caseiras e circuitos eletrônicos — para criar texturas sonoras. Como esses elementos “improvisados” ajudam a dar identidade ao som da banda?
Pedro: Um elemento muito presente nesse disco é o VASSOURÃO, uma baqueta que eu fiz usando aquelas vassouras de palha, fita isolante e borracha (grip?) de raquete de tênis. O mais legal é que ela fica ali num meio termo entre chocalho, baqueta e vassourinha daquelas com que os COBRAS tocam jazz e traz sempre uma textura diferente pras levadas (na faixa Sou só um bicho dá pra sacar como ela soa bem!). Usamos também uma LATINHA de biscoito na faixa Desastres, acho que encaixou bem demais na onda da música, ficou parecendo um tamborim do tipo que se encontraria num sambinha improvisado logo após uma hecatombe nuclear onde tudo que sobrou é boneca sem um olho, velocípede quebrado e calota de carro (conforme as referências que encontramos nos VIDEOGAMES). Acho que esses elementos, mais que reforçar ou trazer alguma identidade especial pro nosso som, dizem muito sobre a vontade de experimentar com o que temos por perto lá dentro do estúdio, sem quebrar muito a cabeça e sem planejar demais.
Sara: Em uma das nossas primeiras gravações, quando ainda nem existia o estúdio Cais, me lembro do Nadinho e do Pinho, sugerirem da gente gravar uma percussão esfregando um pedaço de papel. Eu achei muito legal trazer o som de algo tão singelo para nossa primeira gravação, e ainda mais interessante por ser a Desastres, nossa música de lançamento do projeto. Esse ano, já no estúdio Cais e com o Pedrão integrando a banda, ele trouxe a ideia de gravar o som de uma percussão feita de uma lata de biscoitos. Foi muito especial pra mim perceber por esse e outros exemplos, como temos a experimentação como algo essencial nos processos criativos. Durante nossos encontros sempre buscamos criar um ambiente de liberdade onde todos pudessem propor experimentações técnicas e poéticas. Acredito que essa nossa despretensão e disposição ao risco, trouxe um clima muito leve e divertido nas nossas imersões, fazendo as criações fluírem naturalmente.
O trabalho de arte de Randolpho Lamonier dialoga intensamente com as letras e com o imaginário do disco. Como foi o diálogo entre som e imagem nesse processo criativo?
Sara: Eu e Julia temos um projeto/banda com Randolpho, a Tarda. Estamos parados há algum tempo, pois quase todos os integrantes mudaram para São Paulo e acabamos nos envolvendo em outros projetos. Com a Tarda, lançamos o álbum - “Futuro”, em 2020, alguns singles e videoclipes. Randolpho fez a capa do álbum, arte para camisetas, fita K7, cartazes, entre outros materiais visuais da banda. Junto de outros parceiros artísticos, Victor Galvão e Pedro Veneroso, trabalhou na concepção visual do meu último álbum - “A situação”. Participei atuando em algumas séries fotográficas e vídeos dele. Nossa parceria artística é recorrente e sempre que temos oportunidade, trabalhamos juntos. Nosso universo sensível é muito próximo, temos uma conexão poética muito forte. Quando estávamos pensando sobre a capa do álbum, sentimos que Randolpho poderia contribuir com os Desastros, trazendo para capa suas impressões e o que mais o tocou nas nossas músicas. Em sua produção artística recente, ele tem utilizado colagens, stencil, pintura, notícias de jornais, trazendo um referencial estético da Pop Art. Sentimos que essa lógica de criação visual se conecta diretamente com a forma que produzimos nossas músicas. Em nossos processos de criação e gravação, sobrepomos e mesclamos camadas sonoras, sampleamos sons, gravamos sons do ambiente - natureza, trânsito, experimentamos com instrumentos incomuns - lata de biscoito, garrafa d’água, buscando criar um universo próprio que expresse a liberdade e autenticidade que buscamos imprimir nessa obra.
A capa dos singles foi feita por Julia Baumfeld e o design de divulgação por Pedro Hamdan. Há uma coerência estética forte em tudo que envolve o projeto. Como vocês pensam essa unidade entre música e visual?
Julia: Na minha trajetória como multiartista venho experienciando a música e as artes visuais como algo que caminha junto, algo que já trabalhei em outros projetos, como na Tarda, a Turva, o Sítio Rosa e a Poça, projetos em que realizei diversas funções, entre elas, produtora, compositora, musicista e artista visual. Sou formada em Artes Visuais pela Escola Guignard, fiz mestrado e atualmente faço doutorado na Belas Artes. Tenho contato com a música há muitos anos, inclusive com músico compositor Marco Antônio Guimarães com que tive muita proximidade. Em 2020, lancei o livro Pêndulo, sobre os processos de composição sonora-visual do Marco.
As capas dos singles - Desastres e Estrela-Mãe, são frames de VHS de minha pesquisa com imagens de fitas antigas de um acervo familiar. Na imagem da capa de Desastres, são 5 dados por cima de um frame que retrata o universo, cada dado representando um integrante dos Desastros. A imagem faz referência direta a letra da música que brinca com essa ideia do destino já estar escrito nas estrelas, da sorte ser decidida pelo universo, pelo movimento dos planetas. A capa de Estrela-Mãe é um frame que compõe o trabalho ERA, que é um desdobramento da minha pesquisa com o arquivo de fitas VHS filmado por meus pais nos anos 80. O processo de ressignificação das imagens se iniciou em 2015 e gerou diversos trabalhos, dentre vídeos, filmes, um livro (Meio Dilúvio Meio Suspiro) e uma instalação exposta na Bienal SESC_Videobrasil 2023.
Pedro: Não existe muito planejamento para que as coisas funcionem dentro de uma só unidade ou sigam um estilo musical/visual pré-definido. Acho que nessa parte das imagens tem rolado uma coisa parecida com o que rolou no estúdio, uma liberdade para que cada um chegue com suas ideias. Felizmente, temos nos entendido bem demais, nossas ondas vêm se complementando de um jeito muito astral.
Eu venho tentando conciliar as funções de fotógrafo e integrante da banda, tem sido interessante. Para essas nossas primeiras fotos de divulgação escolhemos um pedaço de um parque aqui de Belo Horizonte (Parque das Mangabeiras) que tá um pouco descuidado, com umas quadras de peteca meio despetecadas e uns brinquedos infantis que datam da Primeira Corrida Espacial Mineira. Eu já costumava passear por lá há um tempo, tirava muitas fotos dessas estruturas decadentes que de certa forma combinam com as texturas do entorno, Serra do Curral de um lado e a cidade do outro.

A participação de artistas como Digo Leite, Manuela Mares e Tom-Lee Richards reforça o caráter colaborativo do projeto. Como essas vozes externas influenciaram o resultado final do álbum?
Bernardo Bauer: Essas participações foram bem pontuais e muito importantes.
A Manu foi um encontro ao acaso, ela conheceu o Felipe pela internet e foi visitar a gente no estúdio. Nós ficamos muito impressionados com a musicalidade e a voz dela. E logo convidamos para cantar no coro de Nebulosa Planetária, e ela acabou fazendo uma espécie de “solo” de vocalizes nessa faixa, que eu particularmente acho que é o melhor momento do disco inteiro rsrs. E como ela já estava lá, chamamos para fazer uma participação em Estrela Mãe também, né? Enfim, foi uma contribuição muito grande e bonita, a voz dela é uma coisa de outro mundo, foi a cereja do bolo desse disco.
Nesse dia da gravação da Manu a gente estava fazendo uma espécie de confraternização de finalização do disco, e convidamos amigos para contribuir no coral de Nebulosa Planetária, e aí o Tom-Lee Richards e a Flora Magalhães cantaram com a gente e com o Digo Leite também, que é um grande amigo e já havia gravado um solo/textura de guitarras em Via Láctea, que eu amo muito também.
Vocês são artistas que vêm de uma cena musical independente que se mantém viva em Belo Horizonte. Como veem o atual momento da música mineira?
Sara: Percebo que a pandemia deixou fortes marcas na cena cultural do Brasil, não só de Minas. Muitos espaços, projetos e iniciativas que estavam acontecendo acabaram perdendo forças devido a esse momento tão delicado que passamos. Além disso, também enfrentamos o retorno de governos com projetos políticos que combatem a cultura, enfraquecendo o cenário musical. Um exemplo de um prêmio e espaço cultural importante que perdemos é o Prêmio BDMG, um dos poucos que reconhecia o trabalho de músicos e compositores eruditos e populares de Minas Gerais. Temos estruturas muito frágeis que demoram muito para serem construídas, e quando se rompem, muitos artistas ficam impossibilitados de seguir na carreira musical. Apesar disso, a cena musical resiste, tentando manter espaços independentes, repensando seus formatos e atuação. Tenho acompanhado alguns artistas da cena local, que apesar de diversos obstáculos e restrições, estão tentando romper barreiras e ampliar o alcance de seus trabalhos, fazendo parcerias com outros artistas e viajando para tocar em outros estados. Eu destacaria as artistas Augusta Barna e Dram, minhas conterrâneas de Contagem, Clara Bicho e Polly Terror, duas artistas/bandas muito legais de BH, e o duo Imprevisto, de Brumadinho, projeto que une música e poesia/spoken word de uma maneira muito interessante e que também tem feito lançamentos pela Grão Pixel.
O álbum foi viabilizado com apoio da Lei Paulo Gustavo. Em tempos de ataques à cultura, como vocês percebem o papel dessas políticas de incentivo na sustentação de projetos culturais?
Sara: A Lei Paulo Gustavo foi fundamental para que nosso álbum saísse do papel, mostrando o quanto políticas públicas de incentivo são essenciais para a sobrevivência da cultura. Em tempos de ataques à arte e de cortes nos investimentos culturais, essas iniciativas permitem que artistas independentes realizem seus projetos, mantenham seus trabalhos e continuem contribuindo para a diversidade e a vitalidade da cena. Elas não apenas viabilizam financeiramente os projetos, mas também fortalecem a presença da cultura no cotidiano das pessoas. Para nós, foi muito importante poder realizar um trabalho que é autêntico, que pode experimentar, sair fora de padrões, clichês, regras e parâmetros que moldam a indústria musical. Podem criar com liberdade traz verdade e força para o trabalho artístico, criando obras com potencial de atravessar fronteiras temporais e geracionais, pois não se restringem a uma demanda comercial ou tendência mercadológica momentânea.
Por fim, com o disco de estreia na praça quais são os planos futuros?
Bernardo Bauer: Bom, agora o plano é divulgar o álbum e desenvolver um show que represente a loucura que é o nosso coletivo. Muito provavelmente com trocas de palco, mudanças de instrumentação, dois bateristas, projeção, artes visuais? Enfim, é um baita desafio e estamos pensando com muito carinho antes de realmente marcar o primeiro show. Ainda temos algumas músicas que fizemos e não entraram no álbum que também gostaríamos de lançar como single em algum momento em breve.
Sara: No momento estamos focados em divulgar o álbum, enviar para amigos, jornalistas, críticos, e pessoas que achamos que podem se interessar pelo trabalho. Temos algumas ideias para nosso primeiro videoclipe, mas deve sair só ano que vem, talvez junto dos nossos primeiros shows. Queremos muito fazer pelo menos um show legal de lançamento em BH e São Paulo, com direito a projeções, figurinos e um som bacana. Também estão nos planos fazer produtos legais da banda - camisetas, cartazes, adesivos, etc. Por enquanto temos alguns postais com a capa do álbum e fotos nossas. Estamos também buscando parceria com selos/distribuidoras de material físico fora do Brasil. Seria incrível ter o álbum em um vinil bem bonito.


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