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Jairo Guedz comenta regravação dos primeiros discos do Sepultura pelos Cavalera

Os fãs do Sepultura se dividem em pelo menos três times: os fãs incondicionais que ainda acompanham as mudanças e evoluções sem ressalvas; os que gostam exclusivamente da fase em que Max Cavalera comandava os vocais a partir de Beneath the Remains (1989) e um último grupo defensor da primeiríssima geração que se limita aos disco pré-Beneath (ou pré-Schizophrenia).


A última turma defende a preferência por discos que soam extremos, crus e até pouco acessíveis a uma gama de entendedores. Acontece que, o que tais discos têm de autênticos, diretos e viscerais, falta-lhes em qualidade técnica. Claro, são registros de uma época e um documento histórico do nascimento da banda que viria a ser vitrine do metal brasileiro e que, indiscutivelmente, mudou os rumos do gênero no mundo. Apesar de muito cultuados e de terem atravessado tempos em que a mixagem de discos tornou-se um praxe, ninguém nunca se aventurou a mexer naquele baú.


A notícia que balançou os ânimos, criou expectativas e acendeu dúvidas nos últimos dias foi o anúncio, por parte de Iggor Cavalera (fundador e ex-baterista), da regravação dos dois primeiros discos do Sepultura, incluindo músicas inéditas da época, por ele e seu irmão Max Cavalera. O material está saindo pela Nuclear Blast que acaba de incluir os Cavalera no rol de mais de 150 artistas do selo.



São eles: o EP Bestial Devastation (Cogumelo, 1985), lançado em formato split em dobradinha com o Overdose; e o álbum Morbid Visions (Cogumelo, 1986), primeiro disco completo da banda. A divulgação foi ilustrada com as novas capas dos discos que ostentam uma atual e talentosíssima pintura assinada pelo artista Eliran Kantor (Testament, Soulfly, Helloween, My Dying Bride). A temática trevosa permanece, mas a grande diferença é o nome da banda na capa que, seguindo a tipografia original do primeiro logo do Sepultura, agora lê-se “Cavalera”.




Se por um lado trata-se de um lançamento que promete resignificar obras que, nas palavras do próprio Iggor: “não faziam justiça à maneira como executávamos as músicas”; por outro lado levanta a questão da legitimidade de um projeto que, ao que tudo indicava, não contava com a participação dos outros membros originais da banda: Paulo Xisto Junior, baixista que passou por todas as fases e ainda integra o Sepultura, e Jairo Guedz, guitarrista responsável por composições como “Troops of Doom” que, além de ter sido a música que ajudou a banda a desbravar o mercado, também batiza a sua atual e muito bem sucedida banda.


Em todas as postagens em sites especializados que sucederam o anúncio dos lançamentos, os comentários são unânimes e cobram a participação dos outros músicos que integram o que seria a formação “mais original” do Sepultura. A propósito, o último encontro do guitarrista Jairo Guedz, que já tocou diversas vezes com os irmãos Cavalera, foi em agosto de 2022 no Brasil, quando o The Troops of Doom abriu os shows dos Cavalera tocando o álbum Roots (Roadrunner, 1996) na íntegra. Ao final do show, Jairo foi convidado para tocar justamente o hino “Troops of Doom”. Após a jam, o próprio Max se referiu à reunião como “O verdadeiro Sepultura”.


Fotos: Alexandre Biciati

E fácil entender o imaginário coletivo dos fãs que vislumbram ver um dia as raízes do Sepultura em torno de um projeto dessa magnitude. Entretanto, é uma fantasia que acaba por alimentar assuntos tortos e que dizem mais da nostalgia do público do que da apreciação das próprias obras. Conversamos com o guitarrista Jairo Guedz para entender o que pensa a respeito das especulações e como foi recebida a notícia do projeto Cavalera.


Jairo começou explicando, de uma vez por todas, como se sente ao cogitarem usá-lo como a peça de um tabuleiro em projetos alheios. “Sempre que o Cavalera faz algum trabalho assim, inevitavelmente, respinga em mim e eu não tenho nenhum sentimento negativo a respeito. A maioria das pessoas me pergunta se eu fui chamado pelo Max, se eu voltaria pro Sepultura ou entraria pro Cavalera. Ninguém nunca me perguntou se eu tenho vontade de fazer isso e a resposta é não. Mesmo que me convidassem, eu tenho hoje uma agenda totalmente preenchida. Tenho minha família, o The Troops of Doom, que é uma banda séria e extremamente unida que vem galgando conquistas a cada dia, além do Metallica Cover Brasil e projetos ainda inéditos. Eu não tenho tempo e tenho minhas prioridades que não são as deles”.



Sobre os polêmicos discos, Jairo se mostrou liberto e compreensivo: “Eu não fui comunicado disso, pra mim foi uma surpresa tão grande quanto foi pra qualquer pessoa”. E fez questão de mencionar as novas capas: “Eu achei as capas maravilhosas! Fantástico! Eu adoro as obras do Eliran e eu tenho uma ligação muito íntima com essas capas. Eu participei [da concepção] das duas quando era da banda e a forma como elas foram repintadas manualmente ficou maravilhoso. Respeitam totalmente os originais”. Completou dizendo que faz expectativa de que o produto faça jus à embalagem: “Eu espero que eles representem isso na música, que é um respeito absoluto ao original, mas com uma força e qualidade maior, [que é possível] graças à competência dos artistas atuais e das ferramentas que temos hoje”. “Eu desejo sorte a eles. Aliás, eles nem precisam.”, concluiu.



Também procuramos a gravadora Cogumelo que detém os direitos dos discos no Brasil para entender os impactos comerciais da empreitada. “Não sabemos a extensão disso, nem como foi feito. Os discos são licenciados fora do Brasil para Roadrunner/Warner. Pra gente não tem problema cover, mas álbum inteiro é problemático. Eu não acredito que a Nuclear Blast, por ser uma empresa séria, divulgaria algo do tipo se não tivessem autorização”, explicou João Eduardo. “Pra mim soma, porque não altera [o que foi feito], mas eu acho que as pessoas têm que olhar pra frente, pro futuro, criar músicas novas e não viver do passado”, ponderou.


Foto: Robsom Discos

É notório que, aquilo que era pra ser uma homenagem e um resgate de obra oportuno, se transformou em um grande boato sobre ruminação com ares de oportunismo. É sabido que os irmãos Cavalera, após fazerem as pazes de um desentendimento que durou 10 anos, têm excursionado revisitando discos clássicos do Sepultura como Roots, Arise e Beneath the Remains. Ao contrário do Sepultura, que se reinventou diversas vezes e tem lançado discos cada vez mais atuais e relevantes, e do próprio Jairo Guedz, que segue carreira com uma banda aclamada exatamente por soar como “death das antigas”, Max e Iggor parecem não terem encontrado o próprio caminho. Opções à parte, é estranhos vê-los tocando músicas velhas do Sepultura e rebatizando os próprios discos em detrimento à continuidade promissora do Cavalera Conspiracy, sob o argumento, segundo Max Cavalera, de “voltar onde tudo começou”.



Legalmente, é indiscutível que tenham sim o direito de lançarem um tributo às próprias obras, mas soa minimamente incoerente que seja feito de uma forma velada e sem o conhecimento e envolvimento dos próprios comparsas. Pode até ser que o resultado impressione tecnicamente, mas fica ainda uma sensação de, se tinha mesmo que acontecer, que a coisa fosse feita de forma mais honrosa. Enquanto os discos não chegam às plataformas só resta aguardar os desdobramentos de mais um imbróglio envolvendo a família Cavalera.

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