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Foto do escritorAlexandre Biciati

João Bosco Quarteto celebra 50 anos de carreira e Grammy Latino

Em 1972 o tablóide semanal Pasquim lançou um projeto batizado Disco de Bolso. Tratava-se de um fonograma encartado e distribuídos em bancas de jornais que tinha a proposta de reunir um artista renomado e um artista debutante, cada qual em um lado do compacto. Por motivos de censura, o polêmico e perseguido periódico só conseguiu colocar dois discos na praça que, hoje em dia, são caçados a luz de velas pelos colecionadores de vinil.


O segundo número trazia Caetano Veloso de um lado e o desconhecido Raimundo Fagner do outro. A primeira edição, por sua vez, reuniu Tom Jobim e o tal de João Bosco que apresentava “Agnus Sei”, composição com Aldir Blanc, que resultaria numa das parcerias mais consistentes da música popular brasileira. Esse disquinho, que trazia ainda no encarte um belo texto sobre as gravações, marca o primeiro registro fonográfico do ponte-novense que lançaria seu primeiro disco no ano seguinte.



Em 2020, em Miami, bem longe das ricas montanhas de Ouro Preto onde João Bosco criou raízes, o Grammy Latino de Melhor Canção em Língua Portuguesa seria conferido a uma parceria de João e seu filho, o escritor, compositor e filósofo, Francisco Bosco. A música é “Abricó-de-Macaco”, cujo nome vem de uma árvore da Amazônia de onde brota uma exuberante e singular flor que ilustra também a capa do disco homônimo.


Com o perdão do trocadilho, na Flórida floresceu, em cerimônia privada devido à pandemia, o prêmio que marca de forma justa e oportuna o início da celebração de 50 anos de carreira do compositor e exímio violonista que ostenta a marca de 27 discos lançados e parceiras do quilate de Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Elis Regina, Milton Nascimento e Maria Bethânia.



Para o show que aconteceu no teatro do Palácio das Artes em Belo Horizonte, João Bosco integrou o quarteto que contou com Ricardo Silveira na guitarra, João Batista no baixo e Edu Ribeiro na bateria. Em uma apresentação repleta de sucessos e recheada com muitos causos, João Bosco cantou para uma enorme plateia mista, entre contemporâneos e novos fãs que, por vezes, invadiram os silêncios para parabenizar o talento de João Bosco, elogiar a performance da banda e pedir músicas ao cantor que emplaca, daqui um mês, 77 anos de idade.



João Bosco adentrou o palco sozinho e aos poucos a banda se juntou para abrilhantar o set. Do disco Caça à Raposa (1975), o samba “O Mestre Sala dos Mares” (João Bosco/Aldir Blanc) foi a escolhida para uma contundente abertura. O texto, que narra a epopéia de João Cândido Felisberto, marinheiro negro que liderou a Revolta das Chibatas (1910), foi a ponte para atravessar o Atlântico. Segundo João Bosco, na noite anterior, em Portugal, Chico Buarque apresentara “Sinhá” em show ao lado de Mônica Salmaso. Sob aplausos, o cantor dedicou a mesma canção ao jogador Vini Jr. que sofreu violento ato de racismo em maio.



Já com o quarteto constituído no palco, foi a vez de visitar outros clássicos dos anos 70 como “Incompatibilidade de Gênios” (1976) e “De Frente pro Crime” (1975), ambas parcerias com Aldir Blanc. João Bosco contou durante o show que conheceu Aldir por intermédio do letrista e poeta Paulo Emílio. “Chegaram numa Kombi em Ponte Nova: Paulo Emílio, Aldir Blanc, o percussionista Eduardo Andrade e o pianista Darci de Paulo. Minha mãe teve que preparar uma macarronada pra turma.”, lembrou. Na ocasião, João Bosco havia saído de Ouro Preto devido às perseguições da ditadura.



A presença marcante de Aldir Blanc foi sentida a cada música que prestou justa homenagem ao amigo falecido em 2020 por complicações da Covid-19. Da longeva e profícua parceria ainda apresentaram “O Ronco da Cuíca”, “Corsário” e “O Bêbado e a Equilibrista”, canção eternizada pela voz de Elis Regina no disco Essa Mulher (1979). João Bosco contou ainda que “O Bêbado e a Equilibrista” foi composta no Natal de 77 por ocasião da morte de Charlie Chaplin. Ficou a cargo de Aldir colocar a letra e a música acabou se transformando em hino político que marcou a volta dos exilados políticos ao Brasil em setembro daquele ano.



A plateia, que se entretia com as histórias e aplaudia cada música com entusiasmo, também pedia músicas a cada intervalo e João Bosco, apesar de não fugir da programação, não ignorou os pedidos. Quando veio do fundo do teatro o grito de “Não põe corda no meu bloco!” (primeiro verso do samba “Plataforma”), João interagiu com o fã: essa é boa também, mas essa aqui é “Coisa Feita”, anunciando mais uma composição com Aldir de 1982.



O pot-pourri com temas afro-brasileiros “Cordeiro de Nanã (Os Tincoãs) / Nação (João Bosco, Paulo Emílio e Aldir Blanc)” gravadas em Abricó-de-Macaco (2020) atestaram a diversidade rítmica do show. Naturalmente, a faixa mais esperada do recente trabalho era a premiada faixa-título, que marcou um dos pontos altos do show e foi ovacionada.


Com o bônus de virtuosas passagens instrumentais e improvisos que impressionaram até os mais incautos, o público se deleitou ao ouvir obras que costuraram toda a discografia do artista como “Jade” (Bosco, 1989), “Quando o Amor Acontece” (Ai, Ai, Ai de Mim, 1986), a rítmica “Odilê, Odilá” (Cabeça de Nego, 1986), “Memória da Pele” (Zona de Fronteira, 1991) e o cartão-de-visitas “Papel Marchê” (Gagabirô, 1984), que fechou com chave de ouro um show memorável.



O show de João Bosco no Palácio das Artes foi um verdadeiro mergulho na extensa trajetória de um verdadeiro ícone da música popular brasileira. Munido de um imponente violão Rick Turner Renaissance e do estiloso boné que lhe confere identidade, João Bosco passeou por composições e parcerias marcantes, mostrando sua complexidade como compositor e talento como instrumentista, conduzindo o público a uma jornada rica em texto e melodia.



AVALIAÇÃO FINAL

João Bosco, além de proporcionar um tour por sua trajetória, contribuiu com o resultado positivo com sua postura comunicativa e posicionamento frente a questões sensíveis. Com delicado cenário com luzes sóbrias e silhuetas, o espetáculo ganhou um ar elegante e condizente com a proposta artística e sofisticação musical. O show de João Bosco é obrigatório e um setlist que repassa a carreira se fez ainda mais interessante e prazeroso.




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