Venho de uma geração de artistas “independentes” que tradicionalmente nunca se preocupou, de modo contundente, com a parte visual da música, seja no palco, na comunicação com o público ou mesmo nas capas de disco, dedicando-se muito mais ao som do que à imagem. A geração atual tem muitos exemplos de artistas que vão no sentido oposto, com identidades visuais incríveis, mas com o som descuidado, enfadonho e/ou com pouca força criativa. Entretanto, hoje em dia, a imagem da música chega no público antes mesmo do som. As pessoas vêm uma capa de um single em alguma plataforma de streaming e escolhem aquela música com a mesma espontaneidade de quem escolhe um vinho pelo rótulo.
É na harmonia do que há de melhor entre música e comunicação visual que se destaca o jovem cantor Kaike. Com apenas 16 anos, o talentoso artista combina apuro sonoro e acuidade visual, sem cair na cilada que o fácil acesso aos dispositivos promoveu. Kaike faz parte desta nova geração de artistas que já nasce impelida a criar uma identidade digital e que está “nadando de braçada” quando se trata de atender a esta nova realidade.
Aos desavisados de todas as idades, pode parecer que esta nova geração, que independe de gravadoras, não se vale da “liberdade” que tal independência os teria proporcionado, abrindo mão de transgressões estéticas, já que tanto a música quanto os videoclipes parecem querer se adequar cada vez mais àquele padrão pop que antes era imposto pelo mainstream.
Pior ainda, tais desavisados, que realmente podem ser de qualquer idade, costumam repetir aquela falácia saudosista afirmando que a música que se fazia em sua época, ou em alguma outra, era melhor e que hoje em dia os artistas só se preocupam com o número de curtidas em detrimento da autenticidade.
Na verdade, o modo como a nova geração de artistas da música se apropria das imagens é sim subversivo e inovador em muitos sentidos. Kaike é um jovem negro que não precisa de um discurso engajado em suas letras para produzir uma arte com potência transgressora.
Quando paramos para ouvir e ver o trabalho de Kaike, fica nítido que ele se permite e se mostra de modos intensos e autênticos, por meio do seu corpo que é a soma de sua imagem e de sua voz. Uma imagem que explicita sua realidade étnica e uma voz que é também parte de seu corpo. Basta a força da imagem de sua presença negra para nos arrebatar. Uma presença empoderada pela intensidade de sua interpretação de timbre próprio, que tem cacoete pop sim, mas que preserva uma autenticidade que está em seu corpo de modo que timbre, interpretação, som e imagem coadunem artisticamente.
O trabalho artístico de Kaike é um exemplo de equilíbrio entre o cuidado com o som e com a imagem em paletas e timbres harmonizados em forma de música, que tem a proeza de ser de audição fácil e intensa ao mesmo tempo. Este é o prisma do qual a música pop contemporânea precisa ser vista e ouvida e o aspecto que considero mais relevante do seu trabalho.
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