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Kiss em 83: o show que chocou o rock em BH

A banda Kiss vai tocar em Belo Horizonte pela terceira e última vez. Não é de hoje que o Kiss anunciou a derradeira turnê. Em 2022, a banda se apresentou em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Ribeirão Preto sob o mesmo pretexto. Segundo o empresário Doc McGhee, a banda mais icônica do rock, formada hoje por Paul Stanley (71), Gene Simmons (73), Eric Singer e Tommy Thayer, encerrará as atividades em dezembro com um show no Madison Square Garden, onde tudo começou.



O Kiss veio em BH em outras outras duas oportunidades. Em 2015 no Mineirinho, ainda com a formação original e em 1983, no Mineirão. A primeira apresentação em solo mineiro fez parte da turnê mundial de divulgação do álbum Creatures of The Night (1982), que marcou uma nova fase da banda e é um disco cultuado por fãs em todo o mundo. Foi um show cercado por problemas que vão desde a manifestação da comunidade cristã até o adiamento por problemas técnicos.


Entretanto, o fatídico primeiro show do Kiss aconteceu em um momento extremamente fértil da cena musical da cidade, pois coincidiu com a chegada do rock pesado no colo daquela juventude. Revistas, discos e o rádio já influenciavam a cabeça de meninos no auge dos seus 14, 15 anos e o Kiss foi um verdadeiro pontapé que motivou o nascimento e a consolidação das bandas que conhecemos hoje como a primeira cena metal de Belo Horizonte.


Em ocasião do show em BH, o Phono quis saber as histórias de quem vivenciou a vinda da banda no começo dos anos 80 e que não passou ileso por aquela avalanche sonora.



Korg, The Mist


Foto: Iana Domingos

Aqui em BH a cena era muito fragmentada, mas todo mundo sabia quem era o fã do Kiss. O fã do Kiss era sempre um cara colecionador. Comprava pôster, comprava os álbuns, cantava as músicas… e o fã do Kiss era sempre meio maluco e eu era um deles.


Na época do show em 83 o Kiss estava saindo de um som progressivo do álbum The Elder que as pessoas acharam estranho e antes disso tinham passado por uma fase discoteca. Então, os fãs estavam esperando um álbum impactante que foi o Creatures of the Night. Muitos artistas de metal citam o Creatures of the Night. Ele chegou impactando pela capa e pelo videoclipe.

Quando o Kiss veio pro Brasil pra mim foi foda! Eu tinha pego o último ônibus indo pra casa e passei por um outdoor do show do Kiss. Quando passei o cara estava colando a última lâmina. Eu fiquei louco, desci do ônibus, sai correndo e era a capa do Destroyer. Eu fiquei paralisado vendo aquele outdoor imenso vendo a capa de um dos melhores discos do Kiss e [anunciando] o Kiss na minha cidade. Por mim até dormiria ali.


Eu fui com um amigo pro show e me pintei de Paul Stanley. Fui pra fila onde os evangélicos ficavam distribuindo panfletos falando que eles iam matar animais, relacionando a sigla K.I.S.S. com coisa satânica… aí deu um estouro no gerador e o show foi adiado pro outro dia. Eu tive que voltar a pé, pintado com o povo zoando.


No dia seguinte chegamos bem antes pra ficar na frente da fila. Fiquei muito próximo do palco, o show foi foda. A galera quebrou a frente do palco… o público de BH sempre foi louco e até hoje é. Foi um show que me marcou muito e BH começou a entrar na rota de alguns shows da época, porque foi muita gente. Logo depois, dois anos depois, foi o Rock in Rio. A cena começou a se construir a partir disso: do Kiss e do Rock in Rio logo depois.



Jairo Guedz, The Troops of Doom e ex-Sepultura


O Kiss foi a primeira banda de rock mais pesado que me chamou atenção. Eu vi o Kiss pela primeira vez nas revistas Pop, quando fui morar com minhas irmãs mais velhas. Eram as revistas que traziam pra juventude brasileira as tendências de fora. Até então eu só conhecia o Elvis Presley. Eu vi então aquelas famosas fotos do Kiss no Empire State Building. Aquilo teve um impacto grande na minha mente, na minha alma. Li a matéria e falei, “Eu tenho que saber o que é isso”.


Foi o próprio pessoal do Overdose e Rogério, meu amigo do Colégio Santo Antônio, que me aplicaram Kiss. Foi a banda que mais amei durante a minha vida. Eu estive no Mineirão para o show em 83, mas eu era menor de idade e não entrei. Chorei muito, voltei pra casa e passei uma semana deprimido [risos]. Com o tempo fui amadurecendo a ideia de tocar, ganhei uma guitarra da minha mãe, tirei músicas do Kiss e logo depois conheci o Max, o Iggor e depois o Paulo e acabamos engrenando nessa história do Sepultura.


Uma história engraçada é que com 12, 13 anos eu já fumava escondido da minha família. Pra comprar cigarro na padaria a gente precisava dar um jeito, porque a moça do caixa não vendia pra gente. Eu tinha já tinha a voz grossa e a gente conseguiu tinta teatral. Então, eu pintava a cara de Gene Simmons e o Rogério de Paul Stanley. A gente colocava peruca, roupa preta, acessórios e ia à padaria fazendo esse papelão por dois quarteirões. Chegava no caixa e pedia, “Me dá um Hollywood!”. A mulher tomava um susto, mas me dava. Comprávamos logo uns dois ou três pacotes e escondíamos no armário de casa.


Bozó, Overdose


Tudo mudou depois que o Kiss veio pro Brasil. Teve dois shows do Kiss e eu fui nos dois, mas o primeiro foi cancelado porque estourou o transformador e tinha uma porrada de crente na porta enchendo o saco. Eu fui de ônibus pintado de Gene Simmons. Eu lembro que uma véia no ônibus me perguntou: Vocês que são daquele conjunto “Os Fantasmas”? [Risos]


No dia seguinte eu encontrei o Cláudio [do Overdose]. Eu já o conhecia por ter ido no ensaio da banda que ele tinha. Teve muita briga e desorganização. Acho que o Kiss ficou até meio puto com esse show de BH.


Mas o Kiss influenciou não só o Overdose. Muita gente montou banda depois desse show do Kiss. O Overdose tinha essa história de pseudo-pirotecnia. Eu acho que foi antes do Kiss que resolvemos montar a banda. Eu lembro que fui na casa do Cláudio e imitei o Gene Simmons e ele falou: Você vai ser vocalista da minha banda. Eu tinha até um baixo de pau, mas pensei, vou ser vocalista que gasta menos. [Risos]


Como a gente fala, tem Belo Horizonte antes e depois do Kiss. O Kiss começou tudo isso [da vinda de bandas internacionais]. Depois do Rock in Rio o negócio deslanchou.



João Eduardo, Cogumelo


O show do Kiss em 83 deu uma abertura muito grande pra show de heavy metal internacional em Belo Horizonte. Pra aquela geração de adolescentes que estava começando a tocar na época, foi um incentivo muito grande pra aprenderem música. O Kiss por tocar com aquela estética corpse painting teve uma influência para o visual que foi incorporado na música desse público mais novo que comprava esse tipo de som.


E esse estilo de som, Kiss, Motorhead, Saxon, AC/DC, Iron Maiden, já vendiam muito. O Kiss era muito falado, muito famoso na época e tocava em rádio. Foi isso que agregou um público enorme.


O grande problema que eles tiveram foi a reação das igrejas. Quando a gente fala em anos 80, a gente ainda tem resquícios da ditadura militar. Só em 88 que parou de ter censura prévia de textos e música. O Kiss impactou no comportamento e na repressão. O pessoal fazia protesto para que o show não acontecesse. O show teve vários problemas porque, de uma forma velada, estavam boicotando o show.


O Kiss vive de uma coisa que eles plantaram no passado. Eles sempre foram muito cultuados. Eles eram muito disciplinados, sempre foram um produto. Não deixavam passar nada, qualquer coisa eles abafaram. Você nunca ouviu falar da banda envolvida em nada que poderia gerar processos, sobre drogas, mulheres etc. Sempre foram estritamente profissionais e tinham empresários muito fortes. E ganhavam muito dinheiro, então conseguiram administrar essa coisa da imagem.


Paulinho, WitchHammer


O papel Kiss em 83 em BH foi muito estruturante pra cena toda. Eu ia fazer 14 anos em setembro, eu tinha um amigo que trabalhava na montagem de palco e ele tinha ingressos. Eles vieram logo depois do Creatures of the Night e o Kiss estava dando uma encorpada no som, fazendo uma transição estilística também, tocando um pouco mais pesado. Então, tocava em muita rádio e foi povoando o nosso imaginário.

Por meio desse contato e ter vivido o fato de não ir [ao show], a gente foi buscando mais informação e se aproximando [de outras bandas]. Já estavam [na ativa] o Sagrado Inferno, o Sepultura, o Overdose, o Sarcófago, o Esfinge… a partir daí, várias redes foram construídas.

Eu morei em Nova York e lá tive contato com o berço do Kiss e muito da minha simpatia pela banda evoluiu lá. Eu tenho boa parte da discografia do Kiss, tenho um respeito imenso e entendo esse papel percursor, especialmente para o brasileiro. Teve o efeito de impulsionar algo que já estava por aqui gestando no ar. Já tinha um povo fazendo som de altíssimo nível e caminhando pro heavy metal.


Eu fiquei por um tempo afastado do Kiss, depois do Lick It Up, quando tiraram a maquiagem e o clip apareceu no Fantástico. Aí eu já não quis mais o Kiss [Risos].

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