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Luizga e Edgar Valente falam sobre o processo de composição do belo disco AIÊ


Fotos: Bruno Lisboa


O cantautor Luiz Gabriel Lopes é, indiscutivelmente, um dos artistas mais prolíficos / inquietos de sua geração. Prova disso, é que ele não só fez parte do coletivo mineiro Graveola (por uma década), mas também tem o seu nome associado a grupos como o Rosa Neon, o trio Tião Duá e projeto O Destino do Clã (junto a Gustavito e Nanan).


Para além disso, ele tem uma vasta discografia solo, composta por álbuns de estúdio e diversos singles lançados. Não obstante, ele tem parcerias sólidas com Teago Oliveira, Chico César, Ava Rocha, Romulo Fróes e Samuel Rosa, entre outros.


Seu disco mais recente é AIÊ (2023). O mesmo foi feita em parceria com o musicista português Edgar Valente. Multifacetado, seu trabalho está associado a diversas iniciativas como a banda Criatura e a Bandaua, projeto voltado a música eletrônica e o folk.


O trabalho (produzido pela dupla em parceria com Guilherme Kastrup) faz uma bela ode ancestralidade e as dores do colonialismo, numa ponte-aérea cultural entre o continente africano, o Brasil e Portugal. Após uma bem sucedida turnê pela Europa, LuizGa e Edgar iniciaram, em fevereiro, uma longa turnê brasileira que passou por diversas cidades.


Antes da apresentação, realizada em fevereiro no Teatro Sesiminas, Luizga e Edgar Valente receberam a equipe do Phono para falar como se deu a aproximação de ambos, o processo de composição e gravação de AIÊ, a nova turnê, as parcerias com Sergio Pererê e Déa Trancoso, a cena musical / cultural belo-horizontina, planos futuros e muito mais. Confira!


Phono: Primeiramente, como é que você deu a aproximação de vocês e quais as afinidades que de alguma forma fizeram que isso fosse materializado nesse disco? 


Luizga: Eu comecei em Portugal em 2010, com o Graveola. Fui voltando todo ano, desenvolvendo a relação.Gravei o meu primeiro disco solo lá, o Passando Portas, que é de 2010. Foram acontecendo muitas ligações com Portugal, especialmente com Lisboa. E aí passando temporadas cada vez mais longas. Em 2016 eu conheci o Edgar, que tava na casa de um amigo em comum, que é o produtor também de eventos. E ele estava produzindo um show dos Os Compotas, que é uma das bandas que o Edgar teve. Aí eu vi o concerto e eu achei espetacular. Fiquei fascinado com ele, com a figura. E aí nós fomos conversar e aí já tinham umas coisas em comum, tinham umas coincidências. Daí a gente começou a pegar mais amizade. Uma semana depois, a gente estava no estúdio. Eu estava começando uma residência lá no Musiberia, que é um lugar no Alentejo, no Serpa. Que o Edgar eu já conhecia bem. 


Edgar: Eu gravei o primeiro disco do Criatura lá. Eu fiz residência por lá sete meses. Já conhecia bem os cantos. Foi um bom pretexto pra gente se conhecer melhor. 


Luizga: E se conhecer também no estúdio, né? O Edgar gravou umas coisas, umas percussões, uns teclados. Tem até, por exemplo, no Sóis, que é meu EP de 2021. Ele gravou  o piano, prólogo, clavinete… depois saiu o Desprendimento (single de Luizga) lá na frente. Quer dizer, tem várias coisas daquela época que foram coisas que o Edgar contribuiu ali, tipo, tocando e tal. Mas a nossa ligação desse trabalho, dessa pesquisa, desse álbum e desse concerto foi uma derivação, um pouco mais tardia, do Portugal Spirit Festival.


Edgar: Então, aí em 2016 a gente tromba, né? E a gente começa a fazer uma amizade também crescer,. E a gente começa a entender que é uma cosmovisão de muitos pontos que se alinham. Até que em 2018 ele convidou pra um festival, trocamos uma ideia... E aí eu lembrei que recebi que o Luiz e eu falei “bora tentar tocar junto”. E aí a gente começa a cruzar repertório que vem de ambos os lados que a gente tocava de outros compositores, amigos comuns, daqui e dali. Canções que a gente ressoava junto. E a gente monta esse repertório, daí calha bem nesse festival, que a galera produziu também e um festival em Bali, na Indonésia. Então o nosso segundo show, terceiro, quarto, já foi em Bali. E a gente já vai pra lá e chega 2019. E aí... acho que o Luiz depois até voltou. A gente não se viu mais desde esse (show). E a gente volta a se ver em 2020. Nessa altura que o Luiz tava em tour na Europa e vem três dias pra passar aí na minha casa e entra a pandemia. E aí toda a tour é cancelada. A gente se  fechou em casa e felizmente nós aproveitamos do melhor jeito. A gente teve quase que um mês pra olhar pra repertório que podia ser gravado. Ver o que faria sentido. Alguns que vinham dessas parcerias do Luiz com o Sérgio Pererê. A faixa Exu, que por exemplo, que era parceria com o Gustavito, que eu ainda nem conhecia pessoalmente. E gente acaba escrevendo outras.


Luizga: E foi meio que uma residência artística, meio espontânea da pandemia. É a quarentena dadaísta (risos). Era a gente mais o Daniel Vasconcelos, que é um grande amigo. Artistão. E a Sarah Mercier também. E a gente aí fica compondo também mais umas músicas juntos. E o repertório cresceu. Foi dez músicas e a gente dois meses depois (maio) já estava gravando em um estúdio caseirinho. A gente gravou na casa do Edgar essa pré-produção, que foi nessa casa da equipe do Anjo. Que foi a mesma casa onde eu gravei o Presente (EP de Luizga de 2020). E depois a gente foi pra casa do Edgar na cidade de Covilhã. A casa da família dele, que é mais perto da Serra da Estrela, mais pro norte de Portugal. E a gente realmente gravou as coisas. Também numa situação em casa, né? A gente não foi pra estúdio nem nada. Foi uma produção caseira. Mas já com o Paulinho que é também o baixista do Criatura. Que é, enfim, um colaborador, um amigo comum também. Também faz parte dessa outra banda do Edgar. E ele meio que assumiu a coisa da gravação. Da engenharia do som e tal.  


Phono: Aliás, só um parênteses. A captação ficou linda! Você ouve nitidamente cada detalhe… 


Luizga: E tem essa outra coisa. Tem esse outro elemento que, assim, é um salto quântico, já falamos, que é o (Guilherme) Kastrup. Porque aí ele apareceu. Anos depois, na verdade. A gente gravou em 2020. Só que aconteceram muitas coisas. Aí eu tava lançando as minhas coisas e o Edgar também. Tipo, a gente tava com muitas outras coisas na fila eo disco também. A gente ficou naquela beleza, tá lindo. O que nós fazemos com isso, né? Mas aí teve tempo de maturação também pra gente entender que a gente precisava dessa outra pessoa. Pra pegar aquilo e dar uma abordagem, um filtro também. Porque tem até aquela piada: se você vai gravar um disco com uma big band é bom que você sabe que cada músico vai gravar uma vez. Agora se você vai gravar um disco de dois caras é, tipo tem 90 pistas numa faixa, porque você grava um monte de ideia, um monte de coisa. Então a gente tinha um pouco também esse disco. Ele teve camadas de excesso que foram limpadas, gloriosamente, pelo Kastrup quando ele pegou. Ele acrescentou umas coisas também. Ele foi uma peça muito importante pra trazer essa, digamos essa identidade sonora. Mas ele só apareceu em 2023. 


Edgar: Ou seja, por quase três anos é que a gente volta a pegar, a olhar para o projeto e voltar a remexer com o Kastrup. E aí ele traz essa visão limpa. E também com toda a perspectiva da experiência. Deu resolvido. E a gente começa a fechar as músicas até num prazo bem vambora! E o disco tava cá fora fazia nove meses depois da gente começar a trabalhar de novo mesmo. Ele saiu foi em outubro. E aí aparece também essa label que é a Ajabu! Records, que é meio sueca, meio germânica, que quis entrar, ajudar a apoiar e a suportar o rolê do lançamento. O que é uma maravilha. A gente também tá bem entregue, nas mãos de quem quer também fazer um processo de continuidade. A gente não quer ficar só com esse disco. Queremos seguir criando e gravando mais…


Luizga: A gente tem um pouco atualmente essa visão também de que AIÊ é uma espécie de trilogia, mas talvez nunca mais, essa coisa de a gente fazer, tipo... beleza, teve esse primeiro, mas vamos começar no volume dois. Tipo, qual que vai ser o caminho? A gente tem uma relação também musical, mas, digamos assim, também espiritual. Ou seja, dos assuntos que têm a ver com a pesquisa do disco, com o repertório. E aí tem essa coisa louca que foi esse assunto, por exemplo, de entrarem essas músicas de orixás. Quer dizer, as parcerias com o Sérgio Pererê. Essa música do Gustavito. A Déa Trancoso que trouxe também esse canto de Obaluaê (Quarta faixa do disco). Que é uma adaptação que ela fez de um canto da Umbanda. Ou seja, foram coisas que foram se aproximando. A gente foi entender que a gente queria também estudar isso. Quer dizer, estudar esse repertório e agradecer mesmo. Louvar essa a existência dessa riqueza, desse grande tecido, dessa ancestralidade que conecta todas essas culturas. Indo além também da dimensão do trauma colonial. Que é uma coisa sobre a qual a gente está também se debruçando de alguma maneira nesse trabalho. Também pensando a música como um lugar de harmonização mesmo. De cura dessas relações. Mas também no sentido de restabelecer esses equilíbrios. De valorização. De entendimento do tanto que são heranças de uma cultura e que são coisas preciosas. O Edgar tá vindo pela primeira vez ao Brasil. Tipo assim, é um negócio que tem muitas camadas de transformação para nós também no segmento desse trabalho. 


Phono: Quando o disco saiu em outubro e vocês já iniciaram uma onda de shows? Ou só agora que vocês estão rodando? 


Edgar: A gente já fez uma primeira onda em Portugal. A gente estava fazendo lá já. Até antes do disco sair, a gente continuou fazendo esse show, que não é necessariamente o repertório do disco. Nesses concertos estamos até tocando (canções) de outros que já vinham de trás e que a gente vai levar pra frente. Agora, lá em Portugal a gente fez uma tourzinha de meia dúzia de shows em vários sítios. Tivemos um grande concerto no Teatro da Trindade, em Lisboa. Tivemos convidados do disco, uma banda tocando conosco. Tivemos o Gil Dionizio, o Gustavito, que também estava em Portugal. E então foi ele que somou com a gente. O Coro dos Anjos também. Nós fizemos um arranjo especial com eles também. Foi bem bonito. Aí depois a gente fez mais uma data de shows, de norte e sul. Em todo Portugal. E agora é a segunda levada. A gente fez um show em Berlim também, logo após o lançamento do disco. E agora é ir ao Brasil. Já começamos em Salvador. 


Luizga: E esse ano a gente vai ter mais alguns também na Europa. Na verdade, porque o disco saiu, então tem a reverberação também do disco. É um processo que também acaba caminhando pra frente no tempo. Então, por exemplo, agora a gente já tem os datas que estão começando a se configurar também pro verão na Europa em junho, julho. Nessa altura a gente deve ter concertos lá também. Mas aqui no Brasil a gente tá fazendo. A gente fez em Salvador, temos esse aqui em BH. Vamos fazer São Paulo e Rio também. Então foi um pouco essa vontade de carimbar. Então a gente fez esses lugares ali. Então essa turnê ela tá tendo diversos formatos. 




Phono: Hoje aqui vocês optaram pelo formato talvez mais minimalista ali, mas como vocês já disseram também fizeram apresentações com uma banda maior. Vocês têm predileção por algum formato? 


Luizga: Cada coisa é uma coisa. Quer dizer, a atmosfera é muito diferente, né? É claro que um show, assim, mais duro, mais intimista, ele tem camadas também que são muito específicas dele. E por outro lado quando a gente toca com a banda, ou quando a gente toca com um percussionista abre outras coisas. Eu pessoalmente eu gosto de todas as experiências, porque eu acho que elas são muito singulares, cada uma. Mas, por exemplo, a banda no show do Teatro da Trindade, quando a gente fez foi muito interessante também ver a leitura dos músicos que tocaram com a gente no concerto de lançamento são músicos de origem africana ou brasileira. Então tem essa coisa dessa egrégora que a gente tá meio que convocando dessas culturas. Tipo tem o Brasil, tem Portugal, tem Angola, tem... Cabo Verde. Tudo isso um pouco na mistura pra gente também meio que trazer essa discussão mesmo. E essa, digamos, essa... bruxaria que é de dizer que tem tanta coisa em comum entre a gente e ao mesmo tempo isso é tão pouco debatido, tão pouco potencializado ainda. Então é muito interessante pra gente ver, por exemplo, como é que foi e ainda é um processo muito interessante de troca dos grooves, das linguagens, dos sotaques de cada um. 


Edgar: Da língua, né? No fundo é isso que estamos falando também. Esse desdobramento, do encontro da ancestralidade que tem em comum a língua portuguesa e a consequência também da história. De alguma forma isso foi unindo e separando também. Então é um restauro também, uma vontade de encontrar os caminhos do meio que a gente pode continuar encontrando nessa ancestralidade. E quando é a gente toca com uma banda, realmente tem uma dimensão que toca o corpo. Que toca mais o groove, que é importante, que é uma dimensão muito presente no disco. Agora aqui, quando a gente toca juntos, essa é uma dimensão que acho que é ela tem o seu éter, a sua psicomagia também. A palavra, ela ganha mais força. Nesse caso, nesse tour a gente vai estar sempre mais nesse modo. É chegar pisando devagarinho. Aí agora, sem dúvida, (espero) que venham mais oportunidades agora, preenchendo o AIÊ desse lado. Que abram palcos, pra gente poder fazer isso no formato banda. Seria bom. Seria legal. Seria lindo. 


Pra finalizar, como é que é voltar pra casa? 


Luizga: Nossa, bicho, é muitas coisas. É engraçado porque já tem muitos anos que eu saí de BH. E eu nem sou daqui, na verdade. Eu morei muitos anos aqui. É uma cidade com a qual eu me identifico. Eu tenho muita ligação com a cena. Mas eu saí daqui em 2015. E, na verdade, fui criado no interior de Minas. Nasci no Rio de Janeiro, fui criado no interior de Minas. Aí, eu morei no interior de São Paulo, agora tô mais em Lisboa. Na verdade, já são muitas casas. Eu digo isso não pra dizer que em BH não seja a minha casa. Mas é uma coisa muito gratificante também ver, sabe, o movimento das pessoas aqui. Eu passei o carnaval agora em BH. Foi impressionante ver a força também, sabe dos desdobramentos, das ressonâncias de coisas que lá atrás a gente viu nascer. E, ao mesmo tempo, tava plantando ali, tava fortalecendo vários desses movimentos. E, hoje em dia, você vê várias dessas coisas andando com muita força. Quer dizer, é muito bonito, eu acho,.


Eu tenho muito carinho por Belo Horizonte, pelo cenário, pelos amigos, pela família espiritual que eu tenho aqui mesmo. Fico muito feliz também de trazer esse trabalho novo, que tem tantas criações, tem também. A gente fez uma Via Sacra também, de tipo fomos lá visitar o Pererê. Almoçamos na casa dele e entregamos os discos. Porque também é isso, é um trabalho nosso, mas também é dele, porque tem composições dele. E também estivemos com a Déa. Quer dizer, (eles) são parceiros de muitos lugares, de muitas épocas, vamos dizer, que estão cruzados nesse trabalho. E é muito legal também de ver que a gente pode materializar, trazer o show e compartilhar mais de perto.



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