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Marcos Avellar fala sobre o novo EP do Congadar

Formada em Sete Lagoas, a Congadar é uma das maiores potências sonoras das Minas Gerais. Formada por Carlos Saúva (vocais) Filipe Eltão (voz, caixa e percussão), Wesley Pelé (voz e caixa), Igor Félix (guitarra), Giuliano Fernandes (guitarra), Marcão Avellar (baixo) e Sérgio DT (bateria), o sexteto promove musicalmente o encontro do congado com o rock, unindo o som das caixas de congado (os tambores mineiros) e os cantos dos congadeiros com guitarra, baixo e bateria.


Foto: Davi Mello

Liricamente, a conexão com ancestralidade africana é uma das principais forças motrizes do grupo, que faz de seu modus operandi artístico um instrumento de diálogo com o grande público, em prol da reflexão e da mudança social.


A banda acaba de lançar o EP Morro das Três Cruzes, trabalho que soa como continuidade natural do álbum Chora N' Goma (2022), mas com novas camadas e nuances sonoras. Produzido por Giuliano Fernandes, guitarrista e produtor musical que assina os outros dois álbuns, o trabalho foi gravado (de forma analógica) no estúdio ForestLab, situado em Petrópolis/RJ.


Em entrevista, Marcos Avellar fala sobre as origens do Congadar, a relação do grupo com colegas de cena, a importância do engajamento em defesa da cultura popular, as diferenças (e preferências) entre os formatos ao vivo e em estúdio, o processo de composição e gravação do novo disco e muito mais. Confira!


PHONO: Para o ouvinte de primeira hora a Congadar se revela como potência sonora em virtude da mistura azeitada de sons e referências. Como se deu a construção dessa proposta musical multifacetada?


A banda se formou no encontro de outros dois grupos. Junto com o Igor (guitarrista) e Sérgio DT (baterista), a gente tinha a banda Ganga Bruta, de blues/rock autoral. Já Carlos Saúva, Filipe Eltão e Wesley Pelé tinha um grupo parafolclórico que já se chamava Congadar, que se apresentava em alguns eventos na cidade.


Em um desses eventos, conversando com Saúva, fizemos esse desafio de juntar tudo e ver no que daria. A primeira apresentação foi na Virada Cultural de Sete Lagoas, nossa cidade natal, e deu muito certo. Vimos que esse encontro deu certo e tivemos uma poio grande do público que assistiu. Foi a partir disso que começamos a ensaiar mais, preparar material, gravar.


No início tudo era muito de fazer as experiências, para ver como poderíamos casar as coisas. E aos poucos fomos entendendo qual sonoridade queríamos.

E o resultado tá aí.

PHONO: Outro aspecto que chama atenção são as letras. Elas revelam conexões com a cultura negra, em suas mais variadas estirpes. Nesse campo diverso, artistas mineiros como Maurício Tizumba e Sérgio Pererê são expoentes que transitam nesse universo. Como vocês veem a cena mineira e como ela dialoga com a proposta de vocês?


O Mestre Tizumba, o Pererê, a querida Titane, são importantes influências para a gente. O próprio Milton Nascimento, desde o Clube da Esquina, já apontava esse caminho da música mineira. E é uma cena potente, inspirada pela cultura negra de Minas Gerais, que ganhou o mundo.


O Congado, as Folias de Reis, tem um papel essencial na construção da identidade cultural do Estado. E é uma cultura maravilhosa, que traz as raízes mineiras para o holofote, para frente do palco. Assim como esses artistas, a gente também se inspira dessa fonte.


Para se ter uma ideia, as principais festas em Sete Lagoas juntam 20 grupos de Congado. Foi nesse ambiente que a banda se criou. Inspirados nessa Cultura Popular e muito na música mineira.

PHONO: O texto do Congadar promove justas homenagens à cultura popular, ligada a religiões de matriz africana como o Congado. Em tempos nos quais ainda existem preconceitos quanto a religiões de matriz africana, qual a importância de se levantar bandeiras como esta para o grande público?


Muitas vezes o preconceito vem do desconhecimento. Claro que há aquele preconceito conservador que vê um grupo de Congado e já solta o famoso “isso é macumba”. Mas, grande parte das pessoas não conhecem o Congado. Talvez tenham uma ideia da Folia de Reis, em uma memória afetiva com a casa dos avós no interior do estado. Mas, de fato, não conhecem essa Cultura Popular.


Então, acho que colocar essa cultura no holofote é uma forma de mostrar um pouco da beleza da Cultura popular que resiste em nosso estado. Através da nossa arte, podemos chamar atenção das pessoas para essa raiz cultural, que é muito maior e mais importante.


Um dia, em uma conversa com o Mestre Tizumba ele falou: “O mundo já conhece o Maracatu. Agora é a vez de levarmos o Congado”. E a gente tá com ele nessa. A gente quer mostrar essa riqueza cultural para o mundo.

PHONO: Ao vivo a banda consegue transmitir e reproduzir a potência sonora criada em estúdio. Onde a banda se sente mais à vontade?


Até fevereiro deste ano a banda sempre se sentiu mais à vontade nos palcos. O Congadar é uma banda de palco, do ao vivo. Ali a gente consegue mostrar a força das caixas (nome dado para os tambores) na nossa música, como elas soam junto com o trio do rock de guitarra, baixo e bateria.

Mas no início desse ano a gente gravou esse nosso novo EP, o Morro das Três Cruzes, em um processo totalmente diferente, tocando junto, meio que ao vivo. Então nos sentimos mais à vontade dessa vez. Mas sem dúvida o palco ainda é nosso espaço.

PHONO: O grupo tem feito apresentações em festivais, figurando em lineups de responsa como o Forró da Lua Cheia e o Timbre. Como tem sido a experiência de tocar em eventos de grande porte?


Primeiro de tudo é lindo ver o Congadar ao lado de nomes como Racionais MCs, Baiana System, Cordel do Fogo Encantado (que a gente já se apresentou junto antes), dentre outros artistas que são referências nossas.


Mas, além disso, tem a experiência de tocar para um público que muitas vezes não conhece a gente ainda. E tem sido maravilhoso isso. Nessas ocasiões o público presente se conectou com o nosso som e o retorno foi incrível. É a chance de mostrar nossa arte para um público maior, mais diverso. A gente acaba viciando nessas experiências... (risos).

PHONO: Adentrando ao universo do novo trabalho, o EP Morro das Três Cruzes soa como uma continuidade natural de Chora N'Goma (2022), mas com novas camadas sonoras e letras bastante atuais. Como foi o processo de composição e gravação do disco?


Acho que esse EP começou quando finalizamos o Chora N’goma, um disco que trouxe releituras de canções tradicionais do Congado Mineiro. E a partir daquilo, inspirados por essas músicas que estávamos trabalhando, nasceram as músicas próprias. Talvez por isso ele tem essa impressão de continuidade.


A primeira a aparecer foi a faixa título. Comecei a rascunhar a letra dela inspirado em um local de Sete Lagoas, que chama Morro das Três Cruzes, onde segundo a história oral estão enterrados três escravos que fugiam do cativeiro e foram mortos pelo capitão do mato. A partir dela foram surgindo as outras. Uma, a Tranças Nagô, em parceria com o nosso amigo ator e compositor Rafa Martins e a Suínos Senhores junto com Monique Kelles.


A partir delas a gente foi novamente para um sítio onde fizemos toda a parte de arranjo, harmonia e melodia, com a produção do nosso guitarrista Giuliano Fernandes.


E a gravação a gente decidiu experimentar com o Lisciel Franco, uma referência em gravação analógica. Gravamos as bases todas juntos, tocando ao mesmo tempo, sem aquela coisa de gravar separados, com edição no computador. É a banda tocando mesmo. Inclusive sem Auto-Tune nas vozes.


E prá gente foi o nosso melhor resultado em estúdio. Soou mais orgânico, as caixas ganharam uma potência maior.



PHONO: "Suínos Senhores" é, na minha opinião, a faixa mais potente do novo registro, tanto musicalmente quanto liricamente. Ela funciona como uma análise precisa da contemporaneidade de uma sociedade doente, dominada pela ordem do capital e pelo medo. Em tempos de omissão artística, no qual muitos preferem não abordar temas de natureza político/socais em suas composições, quais são as motivações que vocês alimentam ao abordar essas temáticas? Acreditam que é possível transformar realidades a partir da música?


Como falei antes, essa música foi feita em cima da letra da Monique Kelles. Ela se inspirou na poesia “Canção do Exílio”, do escritor Gonçalves Dias para escrever. Quando vimos a letra decidimos fazer a música para incluir nesse EP.


Estamos vivendo em um período onde ideias ultrapassadas voltaram à tona. Pensávamos que o mundo estava virando uma horrenda página de terror, mas conseguiram voltar essa página. Os atos de racismo em campos de futebol, em piadas sem nenhuma graça em stand up, no dia a dia, mostra que ainda se tem muito o que lutar. Se estão presentes em fatos como esse, é porque são presentes na estrutura social. Esses atos racistas são apenas a ponta do iceberg, pois a coisa é muito mais estrutural.


Pode parecer utópico, mas a arte tem sim sua força para ajudar a mudar um pouco essas realidades. Mudar essa realidade é um trabalho imenso enquanto durar essas forças conservadoras. Enquanto isso, vamos fazer nossa música colocando o dedo nessa ferida.

PHONO: Por fim, com disco novo na praça quais são os planos futuros?


Já estamos querendo botar o pé na estrada para mostrar esse novo trabalho. Tocar está na essência dessa banda.


Mas já temos programado gravar um novo disco, agora completo, no próximo ano. O estúdio inclusive já está agendado novamente com o Liscel Franco, para julho de 2024. Até lá, queremos tocar muito e compor esse novo material.


Foto: Davi Mello

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