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Nobat releva todas as camadas de projeto tridisciplinar

Atualizado: há 6 horas

Fotos: Ana Luiza Pio
Fotos: Ana Luiza Pio

Após três anos de silêncio discográfico, Nobat reaparece com “Antes de Kiev”, single que inaugura a jornada de Movimento, seu novo projeto tridisciplinar que se expandirá em álbum, livro e filme entre 2026 e 2027. A canção, composta ao lado do cineasta Tiago Tereza, nasce no entrecruzamento de um mundo em colapso e de uma vida pessoal à beira da ruptura. Se o noticiário internacional anunciava a iminente invasão da Ucrânia, o artista mineiro vivia o próprio cerco emocional. “A tensão que antecede uma guerra — o silêncio que precede a primeira explosão — me lembrou a angústia que eu sentia na véspera do fim da minha relação”, conta. A faixa, produzida por Brandu e finalizada em Vitória, reflete esse espaço liminar entre caos e lirismo, que dialoga com o Clube da Esquina, o pop atmosférico e uma pulsação orquestral que sustenta a metáfora de um coração prestes a ir pelos ares.


Gravada em Belo Horizonte, Serra da Moeda e Vitória, “Antes de Kiev” carrega geografias afetivas, mas, como o próprio artista pontua, são as pessoas — e não os territórios — que moldam a espinha dorsal do trabalho. Entre as camadas de violões, synths, beats e bateria rufada, Nobat constrói um microcosmo emocional que dialoga com referências de Caetano, Gil e Lô Borges, ao mesmo tempo em que mira a contemporaneidade. É o retorno de um criador inquieto, que ao longo de uma década transitou entre música, cinema e artes visuais, colaborando com nomes como Elza Soares, Marina Sena e BNegão.


“Antes de Kiev” é também a porta de entrada de Movimento, obra concebida em um período de mudanças radicais — pessoais, profissionais e estéticas. Nas palavras do artista, “o disco, o livro e o filme são como três dimensões de uma mesma emoção”. Mais do que lançar um single, Nobat inaugura um mundo próprio e se reposiciona como um artista que recusa amarras, métodos rígidos e expectativas externas.


Nesta entrevista, concedida por e-mail, ele revisita a gênese da canção escrita entre o centro turbulento de São Paulo e um coração em colapso; compara as potências e fragilidades das cenas musicais de BH e do Espírito Santo; reflete sobre seu processo de reinvenção (“coitado do artista que não celebra sua própria subjetividade”); e explica por que decidiu diversificar suas entregas criativas em álbum, livro e filme. Afinal, como ele mesmo afirma: “Não boto fé no mercado, boto fé nas histórias. Eu quero é viver grandes histórias.” Confira!


“Antes de Kiev” nasce entre um conflito geopolítico e o fim de um relacionamento. Como esses dois campos — o íntimo e o histórico — se encontraram no seu processo criativo e influenciaram a construção poética e musical da faixa?


Escrevi essa canção quando morava em São Paulo, na Av. São João, no bairro da República. O centro de SP vivia quase um cenário de guerra com as operações desastrosas da PM na cracolândia, pessoas em situação de rua morando por todos os cantos, lojas sendo destruídas, carros invadidos, confronto constante entre policiais e moradores. Eu, assim como boa parte do mundo, acompanhava o cerco que a Rússia havia feito à Kiev. E me lembro de pensar em “Haiti” de Caetano e Gil vendo da minha janela as mazelas em que a humanidade pode chegar. A partir disso veio um impulso pra um movimento ainda mais profundo, eu comecei a pensar na minha vida íntima, que também vivia as tensões e as vésperas de um colapso que mais adiante veio a se confirmar. Pensar no silêncio que antecede a primeira explosão e toda a angústia que isso carrega, em algum lugar, ainda que metafórico, me fez pensar como seria doloroso por fim à uma relação que me acompanhava desde a adolescência. Eu mentiria se dissesse que sabia que era sobre isso que eu estava falando quando a música foi feita, mas coitado do artista que não celebra sua própria subjetividade e as quinas de incompreensões que moram no processo criativo. Só alguns anos depois fui entender que era sobre mim também. 


O single foi produzido em três territórios — Belo Horizonte, Serra da Moeda e Vitória. O que cada uma dessas paisagens sonoras e culturais trouxe para a música? E como você enxerga hoje as diferenças entre as cenas de BH e do Espírito Santo depois de se estabelecer em Vitória?


Acho que mais do que os lugares, as pessoas foram muito importantes e impactantes no processo. Brandu que arquitetou toda a parte musical junto comigo desde o princípio. O Dan Abranches que me conduziu lindamente numa direção vocal que me fez mudar caminhos da interpretação e finalizou a faixa com a mix e master. É um trabalho muito íntimo, a maior interferência não é dos territórios, mas sim das minhas experiências. 


Sobre cena de BH e Vitória, acredito que são duas realidades bem distintas. BH se afirmou no cenário nacional e voltou a posicionar grandes artistas de vários segmentos pro grandes público o que não acontecia neste volume e potência desde os anos 90 com a geração do poprock. A cidade tem grandes festivais de música e eventos culturais que preenchem o calendário quase inteiro do ano - um dos maiores carnavais do Brasil, duelo nacional de MCs, etc. O que me preocupa em BH é que o trabalho de base da música independente tá sucateado. Hoje são pouquíssimos espaços que restaram para os artistas que não estão na parte do meio dos cartazes dos grandes festivais de agência. Até mesmo as casas que se fizeram a partir desta cena já olham mais pra cima do que pro lado hoje em dia. Os artistas independentes também se perderam e ao invés de se reunirem e criarem novas rotas e alternativas ficam dedicando esforços hercúleos para se vender como a próxima aposta do ano sozinhos. Então vejo beagá como uma cidade que vai definhar nos próximos anos caso o caminho continue sendo o este - o do dinheiro que seduziu todo mundo e que vai aniquilar toda essa construção incrível que deu no que deu. 


Já Vitória, é uma cena em construção. Muitos nomes com potencial forte, sinto que já alcançaram um nível bom de produção musical, audiovisual, mas artisticamente eu sinto que ainda falta veneno e autenticidade. Falta um pouco de pés, mãos e ouvidos no território, parar de olhar pra fora daqui e perceber que esse estado, assim como todo o resto do Brasil é fascinante por ser muito peculiar. Mas existem iniciativas que estão impulsionando e amadurecendo artistas locais, alguns nomes já começam a furar a bolha, outros vão na raça e na marra rompendo e nos próximos anos pode ser que isso gere algum fruto. Mas o momento do agora é de construção, o que é bonito de ver, sinto que especialmente a cidade está se encontrando em si mesma, me lembra a beagá de 2010. Parece que algo interessante está pra acontecer. Vamos ver, agora eu tenho um filho capixaba, vou ser obrigado a acompanhar tudo de camarote. 


Você descreve Movimento como fruto de um período de ruptura e reinvenção. O que exatamente mudou na sua forma de criar durante esses últimos anos? Houve algum método, linguagem ou gesto artístico que você precisou abandonar ou reinventar para chegar até aqui?


Nunca fui muito metódico pra compor, acredito que pelo fato de ser muito eclético, eu me deixo levar por ondas mil e as músicas nascem no meu corpo de forma muito espontânea. O lugar mais rigoroso e racional eu aplico quando vou organizar os projetos, definir o conceito de um álbum e a partir dele, repertório, estética, etc. O que acho que mais influenciou e mudou foram as histórias que eu vivi ao longo desses últimos três anos com o fim de várias estruturas da minha vida, família, trabalho que me levaram a experiências novas, fascinantes, trágicas e trouxeram novas linhas pra escrever e novas coisas pra contar. É meio que aquela viagem sabática que a pessoa faz pra algum lugar bem distante e ali, longe de qualquer amarra, ela se permite perder os controles e mergulhar fundo nos desconhecidos da vida. De repente ela volta e tá cheia de enredo pra soltar na mesa do primeiro bar com os velhos amigos. No meu caso era tanta coisa que criei um álbum, um livro e um filme. 


Movimento irá se desdobrar em álbum, livro e filme — uma expansão rara na música brasileira contemporânea. Como surgiu a decisão de diversificar a entrega do seu trabalho para outras linguagens? E como você enxerga esse papel do artista que hoje precisa criar mundos além do formato tradicional de discos e shows?


Meus processos de criação de álbuns são muito curiosos porque eu sou um compositor compulsivo. Se tivesse tempo eu faria uma música por dia ou mais e, modéstia às favas, muita coisa boa sairia a cada semana. Mas parece que quando eu tenho algo pra falar, quando surge um determinado assunto, as composições surgem em blocos temáticos e meio que orbitam uma pauta que dá a liga. É ali que vejo que nasceu o gancho de um disco. No caso de MOVIMENTO, eu acabei entrando numa obsessão criativa muito ligada à escrita. Na época eu estava com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e em processo de análise, acho que a escrita me ajudava a elaborar. Como sou da música, sempre tentava fazer tudo virar uma canção, uma letra e nem sempre eu conseguia. Daí fui percebendo que alguns daqueles textos eram poemas, outros eram fragmentos de um roteiro e outros, sim, eram letras de música. Eu resolvi bancar essa parada e fazer o projeto nas três linguagens justamente porque não acredito no mercado, não boto fé em carreira artística, tô cada vez mais desconectado do que acontece nesse meio e sinto uma preguiça imensa de pensar nesse lugar. Não tenho compromisso mais com selo, nem com gravadora nenhuma, nem mesmo com nenhum público que me aprisiona a algum trabalho meu, então posso só criar do zero como se tivesse começando e procurando minha turma, sabe? Se alguém se conectar vai ser lindo, se não, serviu de processo terapêutico e exercício artístico, o que nessa altura do campeonato, sinceramente me basta. 


“Antes de Kiev” é apresentado como porta de entrada para um universo maior. O que podemos esperar das próximas etapas desse projeto tridisciplinar? Quais dimensões desse mundo você ainda pretende revelar no álbum, no livro e no filme?


O álbum, o livro de poesia e o curta-metragem tem muito em comum, são três dimensões de uma mesma história, mas claro que cada um deles carrega uma forma de contar. É engraçado que quando me pego ainda atualmente revisando os projetos, vejo o quanto eles se comunicam e ao mesmo tempo como eles funcionam sozinhos. Meu sonho é conseguir dar vida física à eles, na contramão de tudo, um box com o livro, o álbum em vinil e um objeto que pudesse levar ao filme com um QRCode ou algo do tipo. Vou trabalhar a favor disso porque boto muita fé nesse trabalho. Antes de Kiev, a primeira faísca do trabalho mal saiu e já me rendeu histórias incríveis, conheci uma artista ucraniana que me trouxe vários aprendizados, me apresentou artistas e outras perspectivas geopolíticas sobre aquela região. As pessoas me escreveram mensagens profundamente emocionadas e isso rendeu conversas incríveis e reflexões necessárias sobre assuntos que me interessam muito. Me sinto vivo e é pra isso que faço arte. Deixo os números pra quem se dá bem com eles, eu quero é viver grandes histórias. 


Fotos: Ana Luiza Pio
Fotos: Ana Luiza Pio

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