A primeira edição, realizada em 2022, foi muito bem sucedida e, com isso, expectativas foram criadas para a edição de 2023. Se time que está ganhando não se mexe, os produtores mantiveram estruturas semelhantes ao ano anterior e realizaram, mais uma vez, um evento que ficará marcado por sua boa organização.
Tendo como cenário um dos cartões postais da cidade, o Parque Municipal, as apresentações foram distribuídas, acertadamente, entre os turnos da manhã e da noite. O line up principal reuniu artistas tanto da velha guarda quanto da nova geração.
Seguindo uma bem-vinda tendência dos festivais atuais, a parte diurna promoveu (de maneira gratuita) a oportunidade para que pais e filhos pudessem curtir juntos shows de artistas como o grupo de música infantil Pé de Sonho, os paulistanos do Pequeno Cidadão e a efusiva Belina Orkestar.
Há Beleza em Tudo Isso
Explorando de forma inteligente as dependências do Parque Municipal, a programação diurna ofereceu comodidade para o público que lotou as dependências do local para conferir a programação em família. O bom número de banheiros químicos e bares, a presença de fraldário e o fornecimento de pipoca como cortesia foram alguns dos pontos positivos da organização do evento que cuidou de cada detalhe.
Tal como um grande piquenique coletivo, as famílias permaneceram sentadas durante as apresentações, o que permitiu que as crianças tivessem visibilidade, resultando numa belíssima interação familiar com o que acontecia no palco principal.
O Som das Palavras
A escolha pelas três atrações da manhã foram acertadas, agradando em cheio as famílias presentes que lotaram o espaço reservado no Parque Municipal. Por mais que os grupos Pé de Sonho, Pequeno Cidadão e Belina Orkestar tenha propostas musicais distintas, o poder de interação das apresentações promoveram unidade.
Criado em 2014, os mineiros da Pé de Sonho têm uma discografia de três discos elogiados. A apresentação da banda representou a parte mais lúdica do lineup graças a canções com ótimos refrões que versam sobre contos de fada ("Lá Vai Chapeuzinho", "Zigfrida"), o espaço sideral ("Sistema Solar") e a fauna ("Que Bicho Será?"). As composições foram cantadas em uníssono pelo público, correspondendo a altura à performance divertida do grupo que é formado por adultos e adolescentes.
Na sequência foi a vez do projeto Pequeno Cidadão que vem, desde 2009, conquistando público e crítica através de canções que abordam o universo da infância e da adolescência em seus mais variados aspectos. Fundado por Taciana Barros (Gang 90 e As Absurdettes), Edgard Scandurra (Ira!), Arnaldo Antunes e Antônio Pinto, o grupo tem como força motriz a junção de pais musicistas e seus filhos.
Atualmente, o grupo conta apenas com Taciana Barros como membra da formação original, mas isso não interferiu em nada na qualidade do show. A presença mais que especial de Lúcio Maia (Nação Zumbi) na guitarra, que cumpriu a tarefa de substituir Scandurra, foi um deleite para conhecedores da relevância do músico.
Ao vivo, o Pequeno Cidadão prima não só pela música em si, mas conta também com a presença de Wallace Kyoskys, artista responsável pela parte interativa e circense da apresentação. Em meio ao público, ele promoveu um show a parte com o uso de malabares, bolas gigantes, skate e fantasias que causaram frenesi entre as crianças.
O set privilegiou canções distribuídas nos três álbuns de estúdio como "O Sol e a Lua", "Pequeno Cidadão", "Mamãe Tamo Chegando?", "Sapo Boi", "Caveira Bagunceira" e "Sk8" que ganharam versões mais elétricas e roqueiras.
Encerrando a programação diurna a Belina Orkestar trouxe para o festival a tradição das fanfarras e o fez em grande estilo. A apresentação aconteceu em meio ao público e primou pelo bom uso de instrumentos percussivos e metais, tendo a música tradicional balcânica, oriunda do sudeste europeu, como principal referência. O clima de festa dominou a apresentação e era impressionante ver o quão fascinado o público infantil ficou de ver de tão perto a performance da banda.
Encontros e Despedidas
No evento que começou no final da tarde, foi a vez do público, majoritariamente jovem, conferir as parcerias inéditas entre Graveola e Ana Frango Elétrico, Leci Brandão e Coral, além de Criolo junto à rapper mineira Tamara Franklin. Os ingressos foram esgotados e as artistas manifestaram diversas vezes a emoção de tocar para a interessada e participativa plateia.
A primeira banda a se apresentar foi o Graveola, que contou com a participação da cantora Ana Frango Elétrico. Com quase 20 anos de estrada, o grupo mineiro passou por diversas transformações musicais, mas segue sendo uma das principais referências de uma geração de bandas que trilhou uma jornada pop com fortes raízes na música brasileira. Para a ocasião, a banda contou com Gabriel Bruce (bateria), que substituiu Cecília Collaço, e as presenças luminosas de Luiza Brina (guitarra/voz), Bruno de Oliveira (baixo/voz), Thiago Corrêa (teclado) e José Luís Braga (vocais).
O setlist da noite passou a limpo a discografia da banda trazendo hits atemporais como "Insensatez" e "Babulina's Trip", mas o ponto alto da apresentação recheada de hits foi a aguardada participação de Ana Frango Elétrico. Alternando-se entre os vocais e guitarras, Ana foi escudada de maneira precisa pelo Graveola e tocou, para delírio dos fãs, faixas como "Caspa", "Chocolate" (ambos presentes no elogiado disco Little Electric Chicken Heart) e o single "Mulher Homem Bicho", que foram cantadas a plenos pulmões.
Na sequência, foi a vez de um dos maiores patrimônios da música popular brasileira: Leci Brandão. Com 78 anos de idade (e quase 50 anos de estrada) Leci é uma potência viva do samba, gênero o qual ajudou a moldar e definir parâmetros, especialmente para a ala feminina da música, enfrentando batalhas contra a misoginia para entrar no mercado.
Pouco mais de um mês após sua participação no show do grupo Fundo de Quintal no festival Sensacional, Leci voltou à BH com show completo e emocionou a plateia. Apesar de estar com a saúde debilitada, como fez questão de mencionar, a sambista se mostrou segura durante toda a apresentação. Comunicativa, Leci teceu duras críticas ao racismo e o feminicídio, se posicionou a favor da educação, da democracia e da juventude, creditando às novas gerações o poder de mudança social.
Escudada por uma exímia banda de apoio, a cantora enfileirou hinos eternos do cancioneiro popular. Canções como "Identidade" (Jorge Aragão), "Encontros e Despedidas" (Milton Nascimento), "Lilás" (Djavan) foram executadas com a personalidade que só uma cantora de sua magnitude poderia fazer.
Carregada de emoção também foi a participação de Coral. Tratando Leci com a devida reverência, a cantautora surpreendeu ao trazer para a apresentação não só canções próprias, como "Canto", como também resgatou clássicos do samba e do pagode. Juntas cantaram "O Mundo é Um Moinho" (Cartola), "Valeu Demais" (Art Popular) e "A Filha de Dôna Lecy" (de autoria de Brandão) que renderam aplausos efusivos. "Eu Só Quero Te Namorar" e "Zé do Caroço" encerram o show de forma memorável.
Por fim, coube ao Criolo encerrar os trabalhos da noite. Vivendo grande momento na carreira, o rapper paulistano veio a BH para divulgar sou mais novo disco Sobre Viver (2022).
Visivelmente honrado e feliz por tocar no mesmo palco que Leci Brandão, Criolo foi acompanhado por DJ DanDan e a dupla fez uma apresentação explosiva, carregada de beats direto das pickups e letras cantadas com emoção pelo público cativo.
Como esperado, o repertório presente no disco do ano passado foi o condutor do início do set, mas faixas aguardadas pelos fãs como "Esquiva da Esgrima", "Samba - Sambei", "Pé de Breque" e "Não Existe Amor em SP" colocaram a casa abaixo.
Tamara Franklin, promessa do rap belo-horizontino, fez de sua participação um potente instrumento de mobilização e engajamento em prol da luta contra o racismo. Seus versos mordazes trouxeram importantes palavras de ordem que impactaram e convidaram à reflexão, resultando numa apresentação hipnotizante.
O tom político da apresentação, marca inseparável de Criolo, se fez presente em momentos como a justa homenagem prestada ao movimento MLB (Movimento de Lutas nos Bairros), que reivindica o direito à moradia digna. Recentemente, o grupo ocupou um prédio abandonado na Rua da Bahia, localizado na região central de BH e, desde então, o espaço tem servido de lar para mais de 200 famílias.
Avaliação Final
O Festival Novos Encontros é uma iniciativa consolidada na capital mineira. Sua segunda edição seguiu conciliando tradição e modernidade ao unir em seus palcos novos artistas e medalhões da música popular brasileira.
A bem-vinda programação diurna, voltada para o público infantil, agradou em cheio ao permitir que as famílias pudessem curtir juntos apresentações de alta qualidade e de forma gratuita.
Estruturalmente, a produção soube explorar bem as dependências do Parque Municipal, criando um ambiente confortável para o público vivesse a experiência do festival sem grandes intercorrências.
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