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Foto do escritorFrancesco Napoli

Obra de Marcelo Dolabela é celebrada em reunião de artistas

Falar em Marcelo Dolabela é falar da arte em Belo Horizonte. Para quem não conheceu o poeta multimídia que marcou a cena artística da cidade, vale o preâmbulo. Natural de Lajinha/MG (1957), Marcelo Dolabela foi, acima de tudo, um ativista da cultura local. Um artista que experimentou todas as formas e estruturas que lhe interessaram para se expressar.


Com dezenas de obras lançadas, além de expoente da poesia marginal e suas vertentes, Dolabela também foi roteirista, diretor, compositor, pesquisador e professor. Grande conhecedor da música brasileira, apresentou programas no rádio e organizou, de forma sistemática, a história da indústria fonográfica mineira.

Foto: Lidyane Ponciano (2012)

A inspiração, influência e, porque não, mentoria do artista Dolabela pode ser reconhecida num sem número de iniciativas que vão do texto ao teremim e sustentam uma cena muito íntima de quem frequentou os espaços culturais e boêmios da capital mineira. Entre as iniciativas musicais é preciso destacar a banda Divergência Socialista que foi a gênese de tantas outras bandas que surgiram na cidade e que ainda é um organismo vivo e producente.


Marcelo Dolabela faleceu em 2020 e, desde então, os amigos e parceiros se reúnem para celebrar sua memória através da arte, o que sempre resulta em eventos obrigatórios, como foi o caso da Noite Sau Dada des MD, realizada na Casa Matriz.


Fotos: Alexandre Biciati

CRITÉRIOS


A escolha dos poetas e bandas que se apresentaram seguiu critérios com chancela do próprio homenageado.


Em 2001, Dolabela lançou o CD de poesia sonora Cacograma, que reuniu vários poetas que foram convidados a participar da Noite Sau Dada des MD. Neste disco-documento é possível ouvir, por exemplo, Carlos Augusto Novais, Los Borrachos e várias poetas do Musas e Moiras, tais como Adriana Versiane e Ana Caetano.



Já em 2013, foi lançado de forma independente o CD Divergência Socialista, Marcelo Dolabela & Parceiros – Substância no qual estão reunidos gravações inéditas da banda Divergência Socialista, ao lado de parceiros como Zanzara e Caveira My Friend. As três bandas também foram representadas no evento.


SAU DADA DES


É preciso entender que, este movimento vanguardista que aproxima a literatura das outras mídias, a palavra da plasticidade e o som da imagem, é uma constante na obra de Dolabela e foi o que “deu a letra” do evento que contemplou um potente sarau.



A noite começou com o coletivo Musas & Moiras, formado exclusivamente por mulheres, exibindo um vídeo no qual recitam todos os poemas do livro “Ode [em forma de valsa] à Buceta”. Reza a lenda que, Marcelo pensou este livro a partir de um achado em uma viagem. Ele encontrou um tecido veludo, rubro e sedoso, que o teria instigado a pensar um livro-objeto a partir da dobradura do tecido que sugeria uma vulva.


Brenda Marques, poeta, pesquisadora e jornalista, abriu a noite com uma benção dadaísta jogando água não-benta no público e recitou poemas clássicos como “O Abismo e o Abismo” com a intensidade que o texto pede. Brenda foi seguida do professor Rogério Barbosa que trouxe poemas clássicos lidos em formato de recital.



Os poetas Carlos Barroso, Carlos Augusto Novais e Luciano Cortez assumiram o palco perfilados, em uma dinâmica apresentação de poemas escolhidos a dedo. E nada era acaso, nem mesmo a capa do disco de vinil d’O Último Número que Carlos Augusto Novais segurava durante as declamações. O disco em questão é uma verdadeira pérola que o pós-punk belorizontino produziu e que ficou, por muito tempo, escondido do resto do país pelas montanhas de Minas.



A programação, que começou com os recitais, foi se tornando cada vez mais musical, chegando ao duo de violonistas Duzão Mortimer & Marcos Pimenta. A dupla apresentou as muitas parcerias de Mortimer e Dolabela que foram registradas, por exemplo, no disco O Grande Ah!.



Logo em seguida, um sino rompeu o não-silencioso Matriz acompanhado da voz grave e primitiva de Gilcevi invocando Exu. Gilcevi atravessou o público até o palco cantando melodias ancestrais e, após recitar seus textos autorais, convidou o baixista Hector Gaete para apresentar sua tradução de “Walk On The Wild Side” (Lou Reed) adaptada à melodia velvetiana bem ao estilo dolabelístico.


DADAMUSIC


A primeira banda a se apresentar contou com Emília Mendes, Fernanda Araújo, Délio Esteves, Celeste Avelar e Clôde que se juntaram a Gilcevi para a performance do Nódoa no Brim. Ao estilo “Los Borrachos” - trabalho que marcou a cena poética nos anos 2000 - o Nódoa trouxe as bases hipnotizantes de Clôde, a guitarra de Délio e uma sagaz combinação de vozes e versos.




O dadaísmo puro e espontâneo tomou conta da casa com o Música Mínima, projeto idealizado por Silma Dornas, eterna vocalista do Divergência Socialista. O grupo também reúne o violinista Alexsander Souza, autor do songbook do Divergência Socialista e Rosa Dornas, que operou um pad de efeitos na voz, completando a proposta de lúdico improviso.




Logo em seguida subiu ao palco o grupo Zanzara, formado Cesco Napoli, Hector Gaete e Judson Meneses. O trio não tocava junto desde 2012. O Zanzara apresentou quatro de suas parcerias com Dolabela com direito a uma história narrada por Gaete que, assim como muitos ali, foi aluno de Dolabela na graduação.




Para fechar a noite em alto estilo, nada menos que o Divergência Socialista. O grupo é uma espécie de núcleo experimental em torno do qual orbitam bandas como O Último Número, O Grande Ah!, R. Mutt, Ida & Os Voltas, Mad Marx, Nest, Silvana & A Máquina do Tempo, Sustados por 1 Gesto, Pato Fu, Clay Regazzoni, Tetine, dentre outras.






As formações do Divergência também são inúmeras e, desta feita, se apresentaram com Silma Dornas, Cesco Napoli, Mamede e Ivox, presenteando o público cativo com os clássicos que soam cada vez mais atuais. Destaque para a estreia do baterista Mamede no baixo do Divergência e da participação de Nísio Teixeira.



CONCLUSÃO, DOIS PONTOS


É sempre tempo de celebrar a obra e a memória de Marcelo Dolabela. A primeira edição da Noite Sau Dada des MD funcionou tal qual uma centelha, despertando projetos hibernados e permitindo que uma nova geração conheça toda uma cena artística de tempos idos que ainda cheira a vanguarda e resistência. A partir daí uma nova teia se desenhar fazendo valer todas as pontes, erguidas por Dolabela, que conectam tantos artistas e entusiastas das artes.



A Noite Sau Dada des MD foi uma iniciativa da Casa Matriz, gerida por Edmundo e Andrea Correa, com idealização e programação de Francesco Napoli e co-produção de Mariana Castanheira.




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