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Roger Waters faz show embalado pelas tragédias de um mundo em guerra

A sétima turnê de Roger Waters estava programada para acontecer em 2020 e foi adiada pela pandemia. Foi em 2022 que This is Not a Drill ganhou estrada e impactou plateias por onde passou, dada a contundência e ativismo da possível última turnê do ex-líder do Pink Floyd.


É preciso lembrar que Waters tem uma carreira marcada pela opinião política manifesta, forte posicionamento contra as guerras, defesa das minorias, ataque agudo a governos autoritários e muito, muito dedo na ferida. Inclusive, na última passagem pelo Brasil, durante a tour de Us + Them, o então presidente foi alvo de suas investidas nada lisonjeiras.



Em This is Not a Drill a coisa não é diferente e a turnê colecionou polêmicas por onde passou, o que provocou adaptação de discursos e até da performance do artista ao longo dos shows.


A mais importante delas se deu com o desentendimento causado pelo uso do traje análogo ao uniforme nazista no show em Berlim, que rendeu investigação da polícia local. O episódio foi visto como uma afronta ao povo judeu e uma provocação por parte do artista. A notícia percorreu o mundo e até o ministro Flávio Dino teve que se posicionar sobre as leis no Brasil.



O traje, naturalmente, faz parte de uma performance artística crítica e nada subjetiva relacionada ao conceito do álbum The Wall, lançado em 1979, e ao personagem fictício Pink, protagonista do filme homônimo lançado em 1982.


O cantor já havia se explicado em fevereiro deste ano quando foi acusado pela esposa do ex-companheiro de banda David Gilmour, dentre outras coisas, de anti-semita. Roger Waters esclareceu que nada tem contra o povo judeu, mas que é contra a violação dos direitos humanos praticada pelo Estado de Israel.


Beagá no Mapa

Após um ano de amadurecimento da turnê, o show de Praga (República Tcheca), no dia 25 de maio, foi exibido em salas de cinema em 50 países, incluindo o Brasil. O evento foi transmitido ao vivo e na íntegra via satélite e Belo Horizonte também teve sua sessão. Quem compareceu, pôde ter uma boa prévia do show que aconteceria na capital mineira e que já estava com as vendas abertas.


Diferentemente do formato que rodou o Brasil, o show em Praga contou com um palco em formato de cruz montado no meio do O2 Arena. Acima da plataforma do palco, telões imensos no mesmo formato contemplaram todo o espaço em 360 graus. Na ocasião, Roger Waters chegou a homenagear Marielle Franco exibindo seu nome ao lado de outras vozes ativistas caladas violentamente ao redor do mundo.



Isto não é um Treinamento - Parte 1


Após um atraso de 20 minutos, para que o público conseguisse chegar ao Mineirão, a voz gravada de Roger Waters finalmente anunciou o início do espetáculo, mas não sem antes pedir aos inconformados que se retirassem do recinto.


Entre assobios, gritos, palmas e vaias, o show teve início com a releitura sóbria e caótica de “Comfortably Numb” que, lançada em 2022, anunciava a linha criativa do controverso The Dark Side of the Moon Redux. Seguiu-se a empolgante trilogia “The Happiest Days of Our Lives”/“Another Brick in The Wall (2 e 3)”, que tirou logo da frente o que há de mais popular em The Wall (1979).



Em uma janela para os álbuns solo, Waters visitou Radio K.A.O.S. (1987) com “The Powers That Be” e a lembrança da brutalidade policial. A música apresentou a potência das backing vocals Amanda Belair e Shanay Johnson. De Amused to Death (1992), “The Bravery of Being Out of Range” foi trilha para enquadrar os criminosos de guerra: Reagan, Clinton, Obama, Trump e Biden.


A esta altura, já estava apresentado boa parte do arsenal pirotécnico de um palco pinkfloydiano, que explorava muito bem os quatro gigantescos telões com vídeos, animações e muito texto em português.



Executada ao piano por Roger Waters, a novíssima “The Bar” foi ilustrada com cenas da resistência dos índios norte americanos Lakota que lutaram contra a construção de um oleoduto em suas terras. O tema ainda voltaria no final do show.


Durante vários momentos, Rogers Waters fez questão de reivindicar a idealização da banda que o revelou como um dos grandes baixistas e compositores do rock mundial. E para os fãs que só queriam ouvir as interpretações da banda que estampavam na “peita”, “Have a Cigar”, anunciada textualmente como pedra fundamental do Pink Floyd, abriu uma sequência do álbum Wish You Were Here (1975).



Foi a primeira vez em que o som pediu mais alguns decibéis de volume. E como pediu! Além da faixa-título, “Shine on You Crazy Diamond pt 6-9” contou com o coro incendiário da plateia, enquanto a banda se desdobrava nos clássicos solos de guitarra (Dave Kilminster e Jonathan Wilson) e saxofone (Seamus Blake), tal qual as composições originais.


Enquanto alguns grupos na pista ainda teimavam em lamentar o posicionamento político de Roger Waters, o artista direcionava o papo reto com dedo em riste. Era a vez de “Sheep”, única contemplada do cultuado álbum Animals (1977). Com direito a ovelha inflável e a mensagem RESIST em garrafais, a música encerrou a primeira parte do show de forma apoteótica.



Isto não é um Treinamento - Parte 2


De volta a 79, “In the Flesh” foi cantada com Waters amarrado numa camisa de força sentado à cadeira de rodas. A performance, que referencia o personagem Pink no filme The Wall (Alan Parker, 1982), substituiu a polêmica cena em que empunharia uma metralhadora contra a audiência vestido de ditador. E foi exatamente aqui que o uso de playback foi muito perceptível. É notório que o artista se vale do recurso em todas as suas turnês.


Com um porco inflável fazendo alegoria, “Run Like Hell” lançou uma onda vermelha sobre o estádio e martelou mensagens pungentes como o fim do genocídio que soou mais urgente do que nunca. Os direitos humanos também foram reivindicados durante a melódica “Déjà vu” do disco Is This the Life We Really Want? (2017), do qual também contemplou-se a faixa homônima.



O ingresso já estava pago, mas o ápice do show ainda estava por vir.


A epopéia da sequência de The Dark Side of the Moon (1973), começou com Jonathan Wilson assumindo os vocais em “Money” e “Us and Them”. A comoção foi geral. A parte final do disco (“Any Colour You Like”, “Brain Damage” e “Eclipse”) foi responsável pelo momento pirotécnico mais instagramável. Um show de lasers integrou os espaços até as arquibancadas, reproduzindo as cores da capa mais icônica do rock.


A parte final teve início com a última faixa de The Final Cut (1983), “Two Suns in the Sunset”, com Waters ao violão, e que contou com uma animação espetacular sobre a chegada do juízo final.



Ao apresentar a banda de nove integrantes à beira do palco, Roger Water propôs um brinde que celebrou mais um show da turnê. Waters ainda voltaria ao piano para a segunda parte de “The Bar”, após admitir ter roubado o texto de Bob Dylan de "Sad Eyed Lady of the Lowlands" para escrever sua longa canção

Por fim, em formação de fanfarra, a banda executou a marcha “Outside the Wall” (1979), tal qual bons amigos que encerram ébrios uma noitada cantante no canto de um bar.


Conclusão


O contexto das guerras, presente no show de forma estrutural, já estava latente dado o conflito entre Rússia e Ucrânia, mas ganhou nova perspectiva com a implosão da guerra na Faixa de Gaza. É impossível que o show não herde a dramaticidade da situação, que pode soar dura e incômoda a quem só queria ouvir um pot-pourri de Pink Floyd.



This is Not a Drill não só reflete a verdade dura do mundo, como provoca reflexões profundas e impacta o público por não fazer curva no discurso. Como termômetro, perguntamos a quem esteve no show em Beagá sobre a mensagem que ficou após assistir ao espetáculo:


“Não há como negar que este show é um grande panfleto ambulante, seja para o bem ou para o mal. É importante, pois, é um mega artista colocando o dedo na ferida de tristes problemas da humanidade.” Alisson Villa, jornalista

“Estava lá com o João, meu filho de 7 anos. Muitos questionamentos que eu ainda não consegui explicar. É realmente surreal o que estamos ainda vivendo em pleno século 21. Tanta intolerância, desrespeito, abusos e extremismos!” Ricardo Koctus, músico da banda Pato Fu

“A vida é hoje. Somos muito privilegiados em assistir um show tão caro numa quarta-feira, enquanto tem muita gente sendo assassinada no mundo. O que faremos com isso?” Henrique Selva, fotógrafo

Talvez não se trate apenas de um show para gostar ou desgostar. A angústia, o desconforto e a melancolia são inerentes à temática e se o público sai impactado, o show cumpriu uma função. Contudo, ainda há muito entretenimento no pacote e o setlist passeou por toda a carreira do músico que, sim, divide méritos criativos com os demais membros da sua finada banda progressiva.



Avaliação Final

Com um palco raro de ser visto em concertos por aqui, equipado com sistema surround, telões gigantes, luz de qualidade e pirotecnia, a passagem da turnê foi um presente. Especialmente, para quem viu Roger Waters pela primeira vez. Carregado pela triste circunstância que assola o mundo, o sabor pode ter sido um tanto ocre para alguns, mas nada tira o mérito de um espetáculo que entregou emoção e diversão de forma equilibrada.




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