Se-pul-tura! Se-pul-tura! Se-pul-tura!
Os fãs da maior banda de metal do Brasil nunca gritaram tanto e tão alto por aqui. Talvez porque nunca tiveram tanto motivo para ovacionar a banda de Andreas Kisser, Paulo Jr, Derick Green e… Greyson Nekrutman.
Nem o fã mais pessimista preveria que, na véspera do início da turnê de despedida, o Sepultura enfrentaria mais uma mudança na formação. A troca de baterista, há três semanas do primeiro show, ameaçou o início da turnê Celebrating Life Through Death e poderia ter sido problematizada pela banda. Entretanto, o comunicado oficial, a três dias da data de Belo Horizonte, seguiu outra linha. Atropelando especulações, anunciaram Greyson Nekrutman (Suicidal Tendencies) ao posto e recolocaram o Sepultura na estrada para cumprir a última agenda de shows ao redor do mundo.

Parece que os mineiros entenderam que, dada a natureza dos fatos, mais do que questionamentos, polarizações e críticas, a banda precisava de apoio para seguir adiante com o projeto. E se em algum momento a chegada do baterista foi entendida como mero quebra-galho, o público que entupiu o Arena Hall fez as honras de chancelar e dar boas-vindas ao jovem músico que integra hoje o Sepultura ao vivo.

Celebrating Life
A noite começou com o show da banda mineira Eminence, que não poupou energia e decibéis tocando para um Arena Hall cada vez mais cheio. A banda que tem à frente o performático Bruno Paraguay, fez jus à própria trajetória de praticamente 30 anos, provando a importância de um show de abertura dessa magnitude.

O Sepultura entrou no palco após a tradicional execução de “Polícia” dos Titãs no playback. O show não poderia ter começado melhor. A trilogia matadora de Chaos AD com “Refuse/Resist”, “Territory” e “Slave New World”, soou como um pontapé na porta e funcionou para apresentar o potencial enérgico e rítmico de Greyson nas baquetas.

O palco contou com dois praticáveis nas extremidades fechados com painéis de led que conversavam com o telão de fundo. Ambos eram alimentados com ótimas imagens contextualizando cada música com videoclipes e a inconfundível identidade do Sepultura. Nada muito diferente do que a banda já havia apresentado na abertura do show do Kiss no Mineirão, mas, ainda assim, de muito bom gosto.
De Machine Messiah, a atualíssima “Phantom Self”, quebrou a sequência dos clássicos e representou o álbum de 2017. A esta altura, o público gritava insistentemente o nome de Greyson que agradeceu da bateria. Não satisfeitos, também “homenagearam” o ex-baterista que, até pouco tempo, representava a virtuose dos últimos trabalhos.

Ao lado de Chaos AD, o álbum Roots também serviu como espinha dorsal e dele vieram cinco músicas. A primeira foi “Dusted”, que não figurava no set desde 2016 e logo na sequência “Attitude”, que desafiou a intimidade de uma cozinha recém inaugurada. Do mesmo disco ainda viriam a nervosa “Cut-Throat” e a esperada sequência de hits do bis.
Durante todo o show, era nítida a emoção no olhar de Derick que contemplava cada canto da Arena durante a performance. Da fase em que assumiu o posto, Derick cantou pelo menos três músicas que carregam sua marca nos refrões rasgados: “Kairos”, “Choke” e “Sepulnation” foram cantadas em uníssono como verdadeiros hinos.

Do balaio de músicas desenterradas no vasto repertório, a banda arriscou com “Mind War” (Roorback) e “False” (Dante XXI) e as antigas “Scape to the Void” (Schizophrenia) e “Biotech is Godzilla” (Chaos AD). Outro momento resgatado de tempos idos foi a jam de “Kaiowas” que contou com dois tambores batucados por fãs sortudos ao lado da banda.
Não faltaram trocas de olhares durante todo o show, especialmente entre Andreas e Greyson e ainda aconteceram duas pausas durante o show para acertar os ponteiros. Numa delas, a banda se reuniu ali mesmo ao redor da bateria sob os olhares curiosos do público que testemunhava um projeto em plena construção.

Do aclamado Quadra, a banda escolheu três músicas: “Means to and End”, “Guardians of Earth”, que promoveu uma intro instagramável protagonizada por Andreas e Greyson e a melódica “Agony of Defeat”.
A banda sairia do palco para o bis, mas não antes de tocar a clássica “Troops of Doom”. Andreas fez gentil menção à Jairo Guedz, mas desta feita não contaram com a participação do guitarrista no palco. Na sequência, a indispensável “Arise”, única do disco homônimo que geralmente figura com mais clássicos.
O bis veio com as previsíveis “Ratamahatta” e “Roots Bloody Roots” que contaram com a bandeira brasileira mimetizada no fundo do palco. Os clássicos de 1996 incendiaram de vez o Arena Hall, que reverberou o coro mais enérgico da noite com direito a um mosh épico.

Era de se esperar que a turnê sofreria mudanças de última hora, especialmente no setlist, mas o Sepultura entregou um show de 1 hora e 40 minutos com 22 músicas que atravessaram toda a carreira com poucas faltas. A mais sentida delas, sem dúvidas, foi a ausência de músicas do Beneath the Remains.
Nekrutman não só mandou muito bem e provou sua aptidão como caiu nas graças do público mineiro. Seja nas músicas retas com pegada hardcore, nos grooves tribais ou nas composições tecnicamente mais complexas, o baterista mostrou a segurança e o peso necessários. E isso foi só o primeiro show…

Assim que terminou de soar o último acorde, Derick se pôs de joelhos e reverenciou, emocionado, a arena lotada. Talvez estivesse realmente impactado pela resposta do público. Talvez tivesse tirado um peso das costas. Talvez estivesse mesmo desolado em presenciar o início do fim.
Andreas Kisser, por sua vez, dividiu as atenções entre a plateia e o acolhimento à Greyson que recebeu do guitarrista um simbólico e fraterno abraço. Paulo Xisto, que aparentava estar de ótimo humor no palco, ainda voltou após o acender das luzes e trocou com os fãs remanescentes no gargarejo.

Through Death
É difícil falar do Sepultura e não recorrer a parênteses para delimitar as várias formações e fases da banda. De uma forma simplista, o Sepultura é importante porque ajudou a cunhar um estilo do rock extremo que inspirou uma infinidade de outras bandas mundo afora com discos muito inovadores à época do lançamento.
É óbvio que, após as mudanças de formação que sucederam o lançamento de Roots, o Sepultura se aventurou e trilhou caminhos inusitados lançando discos díspares. Isso confundiu uma parte dos fãs que esperava uma sequência óbvia e previsível.

E esta é justamente a marca indelével da banda: a adaptabilidade. De um ponto de vista técnico, foi o que permitiu à banda ascender, evoluir e desafiar as próprias convicções estéticas e de estilo. A saída de mais um baterista à véspera da turnê é só mais uma cicatriz para a coleção na pele do gigante Sepultura.
Depois de ficar de fora de turnês como Roots e Quadra, Belo Horizonte ganhou um presente ao ser a primeira cidade a receber Celebrating Life Through Death. E o público respondeu à altura. Se por um lado, as mudanças recentes mexeram com as expectativas, por outro foi o combustível que inflamou a Sepulnation.
Não cabe aos fãs questionarem o final de uma banda que, como sabemos, envolve questões coletivas e pessoais. É nobre que terminem no ápice da carreira com o lançamento de um disco ao vivo captado ao redor do mundo. Entretanto, se cabe um desejo de fã, esta formação bem que merecia um disco de inéditas!

Avaliação Final

A troca que se estabeleceu entre músicos e público, após o turbilhão, foi realmente fora da curva e superou todas as expectativas. Se havia alguma apreensão no palco que pudesse comprometer a performance, ela certamente se diluiu no abraço que os fãs deram na banda. E se este for mesmo o último show do Sepultura em Belo Horizonte, ele será lembrado como o mais visceral e poderoso que a cidade já viu. O mérito é única e exclusivamente de quem manteve essa pipa por quatro décadas no ar.
Porque o Eloy Casagrande saiu da banda!