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Tavinho Moura e o clássico da viola que nasceu como brinde

O objetivo de uma finada companhia aérea da Bolívia, extinta há alguns anos, era produzir naquele início da década de 1990 um disco com uma amostra da música regional brasileira para presentear os clientes. E assim, meio sem querer, nasceu aquele que é considerado um dos clássicos da viola brasileira.


O disco “Caboclo d’Água” foi o primeiro trabalho instrumental do cantor, compositor, violonista e violeiro Tavinho Moura, consagrado desde os anos 1970 como um dos nomes do Clube da Esquina, parceiro de Milton Nascimento e Fernando Brant em músicas antológicas e compositor de trilhas para o cinema.


Mas o álbum, lançado em 1993, viraria um marco na sua carreira, tornando-se referência da música instrumental mineira e citado por estudiosos da viola caipira, caso do violeiro e professor da Universidade de São Paulo Ivan Vilela, como um dos mais significativos trabalhos em que o instrumento é protagonista.



Tavinho Moura lançou o disco em 1993 – ainda como um brinde de companhia aérea – e com uma capa que trazia a aquarela de uma viola caipira. Depois, o disco foi levado para a gravadora Velas e ganhou a capa definitiva, um desenho do líder indígena Ailton Krenak, o “pai da água”.


O disco apresentou ao público um exímio violeiro que bebe nas tradições da viola mineira, em especial a do Norte de Minas Gerais (com a afinação chamada Rio Abaixo, em Sol maior), e traz composições que entraram para a história do instrumento. Além de ser um trabalho genuinamente mineiro, uma trilha sonora geográfica e sentimental.


“Caboclo d’Água”, contou recentemente Tavinho Moura numa conversa por e-mail, foi gravado em poucos dias. Ele entrou no estúdio Bemol, em Belo Horizonte, com apenas quatro músicas prontas. Uma delas era “Encontro das Águas”, uma das mais bonitas de sua carreira, que ele compôs na região da Barra do Guaicuí (MG) numa pescaria ao lado de Almir Sater (que gravou a música num disco também instrumental, lançado anos antes de “Caboclo d’Água”). Outra música já existente, “Noites do Sertão”, parceria com Milton Nascimento nos anos 1980, ganhou uma versão instrumental na viola. Nos dias seguintes, enquanto trabalhava no estúdio, ele compôs as outras onze das 15 faixas.


Acompanhando na maior parte do disco pelo violonista Beto Lopes, com quem costuma se apresentar ainda hoje (nestes tempos de pandemia, em apresentações virtuais), o trabalho tem momentos grandiosos, como as duas primeiras músicas – “Caboclo d’Água” e “Mato Grosso”.


Tavinho Moura
Foto: memoriadamusicamineira.com.br

O som peculiar e aparentemente simples da viola de Tavinho Moura passeia pela cultura popular do sertão mineiro (caso de “Dança Maneiro Pau”, que emula uma dança típica do folclore regional) e faz cruzamentos curiosos como na faixa “Minas Texas”, em que Tavinho se junta a um grande time de músicos reconhecidos da cena mineira com instrumentos como banjo e rabeca.


“A viola sempre esteve presente nos meus trabalhos desde meu primeiro LP, Como vai Minha Aldeia (lançado em 1978)”, disse o compositor. Naquela década, ele já tinha composto pérolas como “Paixão e fé”, parceria com Fernando Brant, e adaptado um clássico do folclore mineiro como “Cálix Bento”, gravada por Milton Nascimento no álbum “Geraes” e bastante tocada nas festas populares do interior de Minas – como a folia de reis, celebrada quase sempre na viola caipira.


A relação de Tavinho Moura com o instrumento começou quando ele ainda era adolescente. Nascido em Juiz de Fora (MG) em 1947, o músico conheceu em 1963 o violeiro Zezinho da Viola, do Norte de Minas, um mestre do instrumento que nunca gravou nenhuma música ou disco.

“Ele morreu muito novo. Depois, conheci vários outros violeiros”, conta Tavinho, que diz ter desenvolvido sua técnica observando o modo de tocar dos músicos do interior das Minas Gerais como Zé Coco do Riachão, músico e luthier da região de Montes Claros que ficaria conhecido no exterior como “Beethoven do sertão” e virou postumamente um artista cult, com discos vendidos na internet por muito dinheiro.


O “Caboclo d’Água” abriu a porteira para Tavinho Moura no universo da viola instrumental. Em 1995, ela lançou o segundo disco nessa toada, “Diadorado”, claramente inspirado no amplo e indefinido universo retratado por Guimarães Rosa. E desde então não parou mais – seu último trabalho instrumental, “Beira de Linha”, é de 2015.












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