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Triple Rock comprova que música e política se misturam

A frase “música e política não se misturam” tem sido usada desenfreadamente sem que possamos parar para medir suas consequências.


Para este escriba, não poderia haver frase mais equivocada. Viver é um ato político. Escolher o que ver, ouvir e onde ir, também são atos políticos. No ano do senhor de 2023 não é mais possível consumir a arte sem compreender suas nuances, consequências, contextos, particularidades e pertinências.


Por mais que muitos tomassem o evento “Triple Rock” como uma simples noite de diversão, embalada pelo mais puro rock and roll made in Brazil, a realidade trouxe outras cores, de certa forma inesperadas, para o evento, e fez com que muitas pessoas a encarassem de uma forma que não pretendiam.


Fotos: Alexandre Biciati

A noite começou com a veterana Serpente, espécie de lenda viva local. Com 40 anos de existência, a banda fez parte de uma cena hard rock de Belo Horizonte que ajudou a formar gerações de fãs do gênero, mas nunca saiu das fronteiras da Serra do Curral. Seu show, uma espécie de celebração antecipada destas quatro décadas de existência, serviu, entre tantas outras coisas, para apresentar a banda para toda uma geração presente ao evento que não viveu esta história.


Se não por nada mais, só a presença do clássico local “Põe Na Roda” já foi suficiente para dar o tom do show. No palco, um irrequieto vocalista Keta (que também comanda uma das bandas cover de maior relevância da cidade, o It’s Only Rolling Stones) fez questão de pedir ao público que espalhasse a palavra, pedindo as músicas da banda em rádios (que rádios, caro Keta???) e contasse para os amigos que a Serpente existe e está viva. Divertido.



Na sequência Marcelo Nova subiu ao palco para fazer um dos shows mais chatos que Belo Horizonte viu nos últimos tempos. Com um repertório que mesclou canções que embalaram décadas do rock brasileiro como “Eu Não Matei Joana D’arc”, “Bete Morreu” e “Simca Chambord” e “Só o Fim”, com novidades presentes em seus discos mais recentes (em especial, “Agulha no Palheiro”, de 2021), o Camisa de Vênus é uma banda que parece deslocada em 2023, fadada a fazer shows apenas para públicos que não se importam em permanecer no passado.



Com frases como “a última banda heterossexual do Brasil” e mais uma porção de insinuações sexuais e sexistas, Marcelo Nova provocou mais raiva no público do que deleite. Canções como “Sílvia” não tem mais espaço nos dias de hoje e foi nítido o constrangimento que ela causou quando executada. Poucas pessoas cantaram o refrão que a tornou famosa na década de 1980, enquanto outras tantas olhavam para o palco com cara de reprovação. Um excelente exemplo de como perder o bonde da história e não querer se adequar aos novos tempos. Lamentável.


Na sequência, o Ira! faria um show impecável e mostraria porque é considerada uma das bandas mais íntegras do rock brasileiro em todos os tempos. Seu atual show celebra os 35 anos de seu terceiro álbum, “Psicoacústica”, que não foi exatamente um grande sucesso comercial na época, porém se tornou um dos mais cultuados pelos fãs da banda, em especial os que entenderam, na época, o amadurecimento de seu som e a opção por algo que permaneceria atemporal pelas próximas décadas.



Canções como “Rubro Zorro”, “Poder, Sorriso, Fama” e, principalmente, “Farto do Rock n’ Roll” são tão atuais que até mesmo nesta noite, logo após o Camisa de Vênus, sua execução soou mais fresca do que nunca. Depois de tocarem o álbum, na íntegra, a banda ainda brindou o público com versões inspiradas de outros clássicos como “Flores em Você”, “Tarde Vazia”, “Dias de Luta”, “Envelheço na Cidade” e “Núcleo Base”. No palco, Edgard Scandurra continua o de sempre: monstruoso e dando aulas de elegância e técnica empunhando uma guitarra. Nasi continua uma cantor de rock ímpar, apesar de sua voz não ter mais a mesma potência de outras eras, mas ele soube, como poucos, recolocar suas cordas vocais a favor das canções, nos mostrando nuances que até então desconhecíamos nelas.



E então, na parte final do show, o golpe final em quem insiste em dizer que política e música não se misturam.


Conhecido por suas posições políticas firmes, Nasi atiçou o público de Belo Horizonte, dizendo que “esta cidade derrotou Bolsonaro”. Imediatamente, apoiadores do ex-presidente vaiaram o vocalista que não se fez de rogado e disse que eles poderiam se retirar do show. Muitos o fizeram e causaram um certo alvoroço na saída. Nada que tirasse o brilho de um show que permanece como uma aula de rock and roll.



Fica aqui o desejo de que eles realmente não fiquem fartos e se cansem do gênero. O Ira ainda tem muito a nos oferecer e contribuir para a sobrevida de um gênero que, se outrora foi dominante, hoje pertence a guetos que não conversam entre si.




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