Quando falamos em Titãs o que lhe vem à mente? As apresentações cheias de energia em programas de TV aberta? A capa icônica de Tudo ao Mesmo Tempo Agora? O minimalismo do Acústico MTV? Os primeiros acordes dos sucessos radiofônicos “Sonífera Ilha” e “Toda Cor” de Marcelo Fromer? A produção mais que perfeita de Cabeça Dinossauro? Ou ainda: as notas graves de Nando Reis; a performance de Arnaldo Antunes; a contundência de Branco Mello; a discrição de Charles Gavin; a euforia de Sérgio Britto; a rítmica de Tony Bellotto; a sagacidade de Paulo Miklos?
O show de reunião do Titãs teve um pouco de tudo isso e mais um tanto.
Texto: Bruno Lisboa, Francesco Napoli e Alexandre Biciati
FAMÍLIA
A longeva carreira dessa gigante da música brasileira pode ser desenhada sob várias perspectivas e cada fã, cada brasileiro tem em sua própria história parte da trajetória do Titãs. Isso justifica o sucesso que foi a passagem por Belo Horizonte da turnê batizada Todos ao Mesmo Tempo Agora ou, simplesmente, Encontro. Um nome muito oportuno se pensarmos que os shows também significaram o encontro de todas as gerações que acompanham a banda. Uma verdadeira legião de 45 mil pessoas que prestigiaram um momento inédito: a reunião da formação clássica.
Em duas datas anunciadas, sendo a primeira com lotação absoluta, o público teve uma rara oportunidade de ver ao vivo um espetáculo memorável em termos musicais e visuais. Um show que se transformou numa verdadeira catarse coletiva por quem sabe que o momento pode não se repetir novamente. Fãs de toda parte do país vieram a Belo Horizonte assistir ao Titãs. É o caso de Cláudia Alencar, que veio de Brasília para a primeira apresentação no dia 29 de abril. Sem arredar pé da grade, ela contou sua relação com a banda e se declarou fã incondicional de um dos integrantes.
“Eu nasci em 75 e conheci o Titãs pelo rádio. Todo mundo sentava lá na roça com um radinho de pilha e a música que marcou a minha infância foi “Sonífera Ilha” [canta um trecho da letra]. A gente ficava se perguntando como eles eram, a altura, o cabelo. Eu fui morar em Brasília e vi todos os shows do Titãs lá. O sonho da minha vida era conhecer o Sérgio Britto. Quando vejo ele subir no palco minhas lágrimas caem. Eu nem fiquei em hotel, fiz questão de vir direto pro show”.
Marcos Henrique, conhecido em Belo Horizonte como Chef Palmeira, exibiu com orgulho sua tatuagem caligrafada pelo Titã preferido. “Eu pedi ao Arnaldo Antunes para escrever o texto pra mim e tatuei no braço”, comentou antes do segundo show e mostrou a tatuagem onde se lê "O silêncio foi a primeira coisa que existiu".
Independente de quando e como iniciou sua relação com o Titãs, o fato é que, mesmo 40 anos depois da formação, o grupo segue, com folga, sendo a banda mais importante e influente do pop rock nacional. O retorno da formação clássica aos palcos, que contou ainda com a presença do produtor Liminha na guitarra, provou que, mesmo após um longo período separados, os integrantes ainda mantêm a amizade e o respeito ao próprio legado. Estamos falando da volta de músicos que trilharam carreiras diversas tão relevantes quanto a da própria banda de origem, o que torna tudo mais especial.
DIVERSÃO
O show começa com uma imensa tela de led no fundo do palco totalmente iluminada como uma folha em branco na qual um novo capítulo será escrito. Os integrantes entram e só se vê as silhuetas perfiladas. A música escolhida para abertura traduz todo o espírito do novo encontro: Diversão. Quando as luzes se acendem, é revelada a imagem dos protagonistas que exibem figurino com a mais pura assinatura do Titãs. Cada qual com sua própria personalidade, mas todos transpirando a mensagem do rock.
Ao longo de mais de duas horas de apresentação, o público viu uma banda visivelmente feliz por estar, finalmente, reunida depois de décadas de separação. Todos aparentavam estar muito à vontade e faziam questão de demonstrar carinho uns com os outros. O destaque fica para as performances inquietas de Paulo Miklos, Branco Mello, Arnaldo Antunes e Sérgio Britto. Ver Arnaldo Antunes, por exemplo, fazendo backing vocal de canções compostas após sua saída denota o clima de comprometimento e união.
TODA COR
Com direção artística de Otavio Juliano e direção de arte de Luciana Ferraz, o espetáculo se vale de um palco de grandes dimensões e plataformas, mas que pareceu pequeno dada a configuração da casa e tamanho do público. Foram usados também 4 telões que captaram toda a performance do grupo e foi uma solução para levar minimamente a experiência para quem via das áreas mais distantes. O grande protagonista do cenário, entretanto, foram as imagens exibidas nas várias telas do palco que variavam entre vídeos da banda, imagens captadas em tempo real, grafismos e a identidade dos discos.
GO BACK
O setlist foi um passeio pelo período em que Antunes fez parte da banda, com um olhar atento ao repertório presente em trabalhos clássicos como Cabeça Dinossauro (1986), Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (1987), Õ Blésq Blom (1989), Televisão (1985) e o disco de estreia. Oscilaram entre canções eternizadas, sucessos de grande execução nas rádios e lados B, que atenderam às expectativas até do fã mais exigente. Nesse sentido, músicas radiofônicas como "Homem Primata", "Flores", "O Pulso" e "Go Back" dividiram a atenção com faixas mais agressivas como "Eu Não Sei Fazer Música", "Igreja”, "Porrada" e “Polícia”. Não ficaram de fora clássicos como “Bichos Escrotos”, “32 Dentes” e “AA UU”.
Os Titãs conseguiram sintetizar aquilo que sempre fizeram muito bem: combinar entretenimento e questionamento. A atemporalidade do repertório selecionado é outro ponto de destaque. Por mais que algumas letras soem como o retrato de uma época, o contexto é bem claro e refletem o Brasil profundo de ontem e hoje. É preciso mencionar que a banda atualizou “Nome aos Bois”, cujo texto lista figuras reacionárias históricas, e incluiu “Bolsonaro” para deleite de boa parte do público. Antes de cantar “Televisão”, o próprio Arnaldo Antunes comentou: Nos primeiros shows eu tirava uma antena das costas. Hoje em dia nem antena as TVs têm mais.
Um dos momentos de maior comoção do público foi o set desplugado, executado no meio da apresentação. O formato, que foi o cartão de visita da banda de uma geração inteira que conheceu a banda no Acústico MTV em 1997, agradou em cheio. As pérolas “Epitáfio", "Os Cegos do Castelo", "Pra dizer Adeus" foram as primeiras e precederam o momento mais simbólico do show. Arnaldo Antunes anunciou uma homenagem a Marcelo Fromer e chamou ao palco Alice Fromer, filha e cantora. Alice sentou ao lado de Arnaldo e, com voz doce e segura, entoou do pai “Toda Cor" e "Não Vou me Adaptar”. Ao final da apresentação, a câmera de palco seguiu os músicos, revelando no telão a intimidade secreta do backstage.
De volta às guitarras elétricas apresentaram as esperadas “Marvin”e “Go Back”, ambas ovacionadas ao final. No âmbito das homenagens, o Gigante Gentil, Erasmo Carlos, ganhou merecido número. Paulo Miklos apresentou e cantou “É Preciso Saber Viver”, um sucesso gravado pela banda em 1998. A canção com texto motivacional foi cantada em coro pelos presentes.
Na parte final, o grupo tocou "Miséria" com playback da intervenção de Mário e Quitéria fazendo um bem-vindo parênteses. Seguiram com as imprescindíveis “Família" e "Sonífera Ilha", primeiro hit da carreira, que coroaram uma apresentação sem ressalvas e que vai figurar para sempre na memória de quem teve a sorte de assistir ao show.
DESORDEM
E entendam por "sorte de assistir ao show" não a mera presença, já que isso não foi garantia de ver o Titãs tocar. É preciso pontuar que, boa parte do público que lotou o Expominas no primeiro dia de show, não conseguiu assistir à banda com o mínimo de qualidade. Isso porque o comprimento do galpão fez com que metade da plateia ficasse a uma distância que impossibilitava ver qualquer coisa que acontecia no palco e onde o som chegava como um amontoado de ecos e frequências fracionadas.
Some-se a isso o trânsito caótico potencializado pela presença do circo Portugal (nada contra o circo, muito pelo contrário) no estacionamento, a fila quilométrica para entrar e o preço abusivo das bebidas e temos motivos de sobra para queixas e reclamações contundentes manifestas nas redes sociais.
PRA DIZER ADEUS
O show que celebra os 40 anos do Titãs foi a maior homenagem possível à carreira do Titãs. Quem ainda não teve a oportunidade ver ao vivo, que veja. Apesar de ser muito provável que um registro dos shows resulte num DVD, sabemos que nada substitui a experiência de presenciar essa reunião que um dia se mostrou tão improvável.
Com interpretação das músicas de forma crua e direta, a banda fez um show pautado em sucessos absolutos que são trilha sonora do Brasil. Contando com uma produção que só estamos acostumados a receber de artistas internacionais, o Titãs entregou um show muito bem equilibrado tecnicamente e com várias camadas simbólicas e emocionantes. Da presença de Liminha no palco, passando pela homenagem a Marcelo Fromer e a celebrada recuperação de Branco Mello, temos elementos de sobra para elogiar o resultado de um show pensado nos mínimos detalhes.
Em nome de todos os fãs da banda, deixamos um agradecimento nominal à Branco Mello, Sérgio Britto, Tony Bellotto, Arnaldo Antunes, Nando Reis, Charles Gavin e Paulo Miklos por terem idealizado e topado a empreitada. Boa turnê!
AVALIAÇÃO FINAL
O Titãs fez um show impecável. Acima da média. Agradou com certeza dos mais jovens aos veteranos com um show espetacular. Entretanto, solidarizamos com boa parte do público que se arrependeu da experiência final dadas as falhas mencionadas relativas à otimização do espaço. Teria sido uma experiência melhor para todos a simples divisão de público em ambas as datas que teve superlotação no primeiro dia e público razoável no segundo.
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