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Em ocasião do show dos Titãs, dissecamos o clássico Titanomaquia

Os Titãs ocupam o lugar de banda brasileira mais importante de nossa história. A discografia em si é errática, com bons e maus momentos, mas é inegável a influência e o legado que a banda construiu ao longo de décadas de bons serviços prestados. Dono de uma versatilidade fora da curva, o grupo formado por Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Nando Reis, o finado Marcelo Fromer, Charles Gavin, Tony Belloto, Sérgio Brito e Branco Melo dialogou com diversas searas musicais indo do reggae ao punk, passando pelo pop e o grunge.


Foto: Cassio Vasconcellos

Desde a sua gênese, o octeto priorizou por letras que muito dizem sobre o Brasil de ontem e de hoje, suas discrepâncias e virtudes. Cabeça Dinossauro é de longe (e merecidamente) o disco mais celebrado da banda, mas há outros discos que não ganharam o status de clássico e que merecem atenção. Um deles, e talvez o mais subestimado, é Titanomaquia.


O título do disco faz alusão a guerra mitológica entre os titãs, liderados por Cronos, e os Deuses Olímpicos, liderados por Zeus, pelo domínio do Universo. E de fato, à época, o grupo encarava conflitos de natureza interna e externa, que iam desde a saída de Arnaldo Antunes ao embate com a crítica especializada que cravava, a cada lançamento da banda, o fim do rock nacional.


Lançado em 10 de julho 1993, o trabalho é uma continuidade natural de Tudo ao Mesmo Tempo Agora, disco em que o grupo iniciou o flerte com a música pesada, mas que falha ao não conseguir captar de maneira devida toda a crueza do repertório. Titanomaquia é marcado por ser o início da frutífera parceria com o produtor Jack Endino, responsável por discos clássicos como Bleach do Nirvana, que perduraria por mais três álbuns: Domingo (1995), As Dez Mais (1999) e A Melhor Banda de Todos os Tempos da Ultima Semana (2001).


Belloto: Ele foi muito criticado porque era um disco de palavrões, obsceno, com sonoridade confusa, caótica, mas é um disco muito interessante.

O período de gravação foi marcado por momentos de tensão. Nando Reis revelou, em seu canal no Youtube, que quase saiu em virtude da escolha da banda por trilhar caminhos mais agressivos musicalmente. Suas ideias foram, como o próprio afirma, sabotadas e isso gerou desgaste entre os integrantes. Tempos depois, Nando Reis sairia de forma oficial em 2002.


"Na gravação ficou evidente o meu isolamento, a minha discordância musical. Nada daquilo que eu sugeria eles aceitavam. Era quase um seis contra um, era impressionante. Foi um momento em que musicalmente, conceitualmente estávamos em completa divergência."


O som em Titanomaquia é pesado, sujo e distorcido. As letras seguem inspiradas e mordazes, funcionando como autênticos manifestos como em “Disneylândia” e o hino “Será Que é Isso Que Eu Necessito?” que ganhou alta rotatividade nas rádios e na MTV na época do lançamento. Estão aqui algumas das melhores e mais enérgicas performances vocais de Melo ("Felizes São os Peixes"), Miklos ("A Verdadeira Mary Popins") e Brito ("Agonizando"). Há espaço também para Nando e sua "Hereditário", que seria revisitada anos mais tarde no Acústico MTV, projeto que foi um divisor de águas da carreira.


Em entrevista ainda para o canal de Nando Reis, Charles Gavin relembrou o processo de escolha de Jack Endino para a produção de Titanomaquia em 1993:


"A gente estava ficando cada vez mais pesado, mais influenciados por bandas pesadas. A gente começou a procurar nomes [de produtores] que, supostamente, teriam a ver com o som que a gente estava fazendo. Nomes que pudessem nos oferecer condições e tecnologia pra gente alcançar o que tinha em mente. Depois de muitas conversa, a gente chegou à conclusão que seria interessante pro Titãs trabalhar com alguém que a gente nunca tinha trabalhado antes. (...) Chegamos a conclusão que um nome possível seria o de um produtor da cena independente de Seattle, que depois acabou ganhando o nome de grunge. (...) Ouvimos alguns discos que o Jack Endino havia produzido [Nirvana, Screaming Trees, Soundgarden, Skin Yard]. Nos identificamos com a sonoridade dele e achamos que ele seria um cara viável que poderia aceitar o nosso convite. (...) E foi o que aconteceu."


O ousado projeto gráfico de Titanomaquia, que foge completamente à estética dos trabalhos anteriores, foi assinado por Fernando Zarif, com quem a banda já havia trabalhado. A capa traz um grafismo minimalista em sete cores (em alusão aos sete integrantes). O disco foi distribuído nas lojas envolvido por um saco plástico preto e o adesivo com o nome do disco em tipografia ruidosa, como se o disco estivesse dentro de um saco de lixo.


Dá pra dizer que Titanomaquia é um disco de ruptura por diversos fatores, mas o que fica como marca é um disco ousado e atemporal. O trabalho foi mal recebido pela crítica. Arnaldo saiu da banda poucos antes da gravação do disco. Domingo, álbum subsequente, seria um disco mais brando em sua essência. Tony Belloto, em entrevista a este que vos escreve para o site Scream & Yell, falou sobre como o disco hoje tem sido reavaliado por público e crítica:


"É normal de acontecer isso de um disco não ser muito bem compreendido na época em que ele foi lançado, principalmente pela crítica. A gente, de certa maneira, supervaloriza um pouco a crítica. Ela nada mais é que, vamos dizer, uma opinião um pouco mais atenta, mas imediata. Às vezes você está contando com o humor do crítico que te ouviu no dia anterior e já faz ali o seu parecer, o seu diagnóstico, às vezes a percepção leva um tempo maior. Isso aconteceu, principalmente, foi nem com o Titanomaquia, mas com o Tudo Ao Mesmo Tempo Agora (1991). Ele foi muito criticado porque era um disco de palavrões, obsceno, com sonoridade confusa, caótica, mas é um disco muito interessante. Ele foi reavaliado depois e é um dos discos originais do rock brasileiro, sem dúvida. Acho que é o tempo que avalia as obras."


É bem-vindo que, no setlist do show "Encontro", seja contemplada alguma faixa do polêmico álbum. Sem dúvida alguma, um presente para os fãs que gostam da fase mais agressiva do Titãs. Titanomaquia surgiu numa época em que o rock pesado estava estabelecido no Brasil e, mesmo não tendo a melhor recepção possível, foi responsável por catequizar uma verdadeira legião de apreciadores e influenciar um sem número de bandas que viriam a seguir.


Fazemos votos de que o reencontro dos músicos, que um dia definiram de forma tão contundente as facetas do rock brasileiro, possa gerar novos trabalhos em conjunto. Quem sabe um disco?




Serviço


Titãs - Turnê 2023 "Encontro"

29 (ingressos esgotados) e 30 de abril, 20h

EXPOMINAS BELO HORIZONTE Av. Amazonas, 6200- Gameleira

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