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Kiss e Sepultura em BH: o fim de um ciclo

A conexão do Kiss com Belo Horizonte é antiga e fundamental para entender a vocação da cidade para os sons pesados. Em 1983 não existia um circuito de shows internacionais no Brasil (pré-Rock In Rio I, em 1985), muito menos em Belo Horizonte. Por isso mesmo, aquela primeira passagem da banda pela cidade atraiu as atenções não só de um público ávido por novidades na música, mas também da população em geral, que se manifestou positiva e negativamente sobre o acontecimento, protestando contra ou exaltando um show que, por si só, já seria histórico.


Fotos: Alexandre Biciati

A segunda passagem, em 2015, já foi mais discreta, com a banda se apresentando para um Mineirinho relativamente vazio (8 mil pessoas, aproximadamente). Ficou a sensação de esgotamento e uma dúvida: teria o Kiss cumprido sua missão com a cidade e encerrado um ciclo?


Por isso mesmo, quando a banda anunciou sua terceira (e última) passagem pela cidade para este abril de 2023, os céticos logo duvidaram que eles ainda pudessem dar algum caldo. Teria o Kiss perdido o bonde da história e ficado em um passado de glória? Havia apenas uma maneira de tirar a prova: comparecer ao show no mesmo estádio do Mineirão, que os havia abrigado em 1983. Seria uma despedida, já que esta “End of the Road Tour” é, como o próprio nome diz, o fim da linha para a banda de Gene Simmons e Paul Stanley. Mas não sem antes convidar para a festa alguém muito especial, cuja existência se deve muito àquele show de 1983: o Sepultura.



Pontualmente às 19h, Derrick Green, Eloy Casagrande, e os dois membros remanescentes da formação clássica da década de 1980 - Paulo Xisto Jr e Andreas Kisser - subiram ao palco para darem início aos trabalhos com “Isolation”, música que está no ótimo “Quadra”, disco de 2020. Com mais de 40 anos de história, a mais importante banda do metal brasileiro não parece perder o fôlego e seus shows ainda tem um vigor que bandas novatas devem invejar.



Derrick Green é um frontman como poucos, dosando a voz gutural com alguns momentos até mesmo dóceis de uma forma tão homogênea que é fácil entender porque ele não só ocupou a vaga deixada por Max Cavalera na banda, como a transformou e modernizou. Ao redor dele, Kisser e Xisto tem uma química tão perfeita no palco - fruto de décadas se apresentando juntos - que parecem ser uma mesma pessoa em determinados momentos.



Mas é lá atrás das baquetas que talvez esteja o maior trunfo do Sepultura nos dias de hoje. O baterista Eloy Casagrande é tido por muitos como o melhor dos três que já ocuparam este posto na banda. Se considerarmos que essa é uma banda que já teve Iggor Cavalera e Jean Dolabella, não se trata de uma tarefa fácil, mas ele não só dá conta do recado como impressiona em muitos momentos ao esmurrar seu kit com precisão e força ímpares. A tal modernização do som da banda também passa por ele.



Com um repertório que privilegiou o “Quadra”, mas também passou por clássicos da banda (alguns talvez concebidos em Belo Horizonte, como “Dead Embryonic Cells”), a grande novidade do show foi a participação de Yohan Kisser, filho de Andreas, em algumas músicas. Ao lado do pai, com quem também divide o palco no projeto Kisser Clan, Yohan conferiu um peso a mais a canções como “Refuse/Resist” e a mais do que clássica “Roots Bloody Roots”, que encerrou o show. E fica o recado para a banda: não demorem tanto para voltar à sua cidade natal.



SETLIST

  1. Isolation

  2. Territory

  3. Means to an End

  4. Kairos

  5. Propaganda

  6. Guardians of Earth

  7. Dead Embryonic Cells

  8. Agony of Defeat

  9. Refuse/Resist (com Yohan Kisser)

  10. Arise

  11. Ratamahatta (com Yohan Kisser)

  12. Roots Bloody Roots (com Yohan Kisser)


Um show do Kiss é um festival de clichês, mas isso está longe de ser algo negativo. O clichê, quando usado para o bem, é muito bem-vindo. Por isso mesmo, a abertura do show da banda com “Detroit Rock City”, disparada quando o pano com a logo da banda é retirado da frente do palco, é sempre a mesma, mas ainda assim ninguém reclama. A partir dali, Gene Simmons, Paul Stanley, Tommy Thayer e Eric Singer desfilariam um caminhão de hits e momentos memoráveis que não só encerrariam sua história com a cidade de “Belorrorizôntem" (como o guitarrista Paul Stanley se referiu à cidade durante o show) com chave de ouro, como deixariam um gostinho de quero mais.


Algumas certezas existem em um show do Kiss: que Gene Simmons vai cuspir fogo (em “I Love It Loud”, uma das canções mais famosas da banda em território brasileiro, e por isso mesmo um dos pontos altos de todos os shows deles por aqui), sangue (durante um solo de baixo), que Paul Stanley vai ser içado por um cabo e voar por cima da multidão até o palco B no meio do estádio (em “Love Gun” e “I Was Made for Lovin’ You”), que o baterista Eric Singer vai cantar “Beth" ao piano e que eles vão encerrar o show com "Rock and Roll All Nite”. Um roteiro que se repete noite após noite há décadas e que tem data para acabar: dia 2 de dezembro, em Nova York, no Madison Square Garden. Assim como o ciclo Belo Horizonte, que se encerrou nesta noite do dia 20 de abril de 2023, o ciclo “Kiss no mundo” se encerra com uma volta às origens, onde tudo começou.



Com o fim do Kiss, se encerra também uma era de “rock divertido”, como a própria banda não se cansa de dizer. Por “divertido”, entenda-se também “pirotécnico”. Poucos shows no mundo ainda utilizam artifícios como plataformas, jatos de fogo, bolas gigantes infláveis e cenários que se movimentam. A era de excessos do heavy metal, que começou ainda na década de 1970, se consolidou na década de 1980 e invadiu as décadas seguintes, talvez esteja sendo enterrada com o fim do Kiss. Uma pena, porque a partir de agora o rock, que não mais ocupa o mainstream da música do mundo, vai ficar ainda mais sério.



E tome longos solos de guitarra, de bateria com o kit sendo elevado a alguns metros do palco, clássicos como “War Machine”, “Psycho Circus”, “Lick It Up”, “God of Thunder”, “Do You Love Me” e “Calling Dr. Love” e sorrisos na cara do público presente. É impossível não gostar de um show do Kiss, mesmo que você não conheça a banda. O carisma dos setentões Gene Simmons e Paul Stanley é gigantesco e vai fazer falta nos palcos do mundo.



Foi impossível, ao longo do show, não soltar algumas lagriminhas ao imaginar que aquele era o último encontro com a banda, assim como foi impossível não guardar um dos milhares de pedaços de papel picado, jogados ao fim do show, durante “Rock and Roll All Nite”. Uma espécie de troféu e uma recordação de uma era que não mais existe, além de um encerramento perfeito para este grande ciclo de apreciação de sons pesados e formação musical de toda uma geração. Vida longa ao Kiss e a seus frutos.


SETLIST

  1. Detroit Rock City

  2. Shout It Out Loud

  3. Deuce

  4. War Machine

  5. Heaven's on Fire

  6. I Love It Loud

  7. Say Yeah

  8. Cold Gin

  9. Solo de guitarra de Tommy Thayer

  10. Lick It Up

  11. Makin' Love

  12. Calling Dr. Love

  13. Psycho Circus

  14. Solo de bateria de Eric Singer

  15. 100,000 Years (Pedaço)

  16. Solo de baixo de Gene Simmons com sangue cuspido

  17. God of Thunder

  18. Love Gun (Paul voa sobre a multidão)

  19. I Was Made for Lovin' You (Paul volta para o palco principal )

  20. Black Diamond

  21. Beth

  22. Do You Love Me

  23. Rock and Roll All Nite



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