Ao longo deste quase um ano de site cobrindo a cena artístico-musical da capital mineira, um evento em especial despertou nossa sincera admiração por estar alinhadíssimo com nosso propósito que é ser radar e vitrine da música autoral da cidade: o Tranquilo. Um festival itinerante, democrático, com alto nível curatorial e que mantém firme uma ousada proposta de experiência.
Sem dúvida, o Tranquilo mobiliza artistas e um público cativo de um modo inédito, fazendo da nossa cidade um lugar melhor para se viver. Tudo isso com “ouvidos atentos e corações abertos” às críticas inerentes a qualquer evento que reúne serem pensantes. Thales Silva, o dono da bola, inclusive, conversou com a gente recentemente em uma entrevista do Bruno Lisboa que pode ser conferida aqui.
O Phono colou mais uma vez no Tranquilo para compartilhar as impressões de uma edição recheada de participações especiais. E a programação provou mais uma vez que cada edição do evento é única e pode surpreender a quem ousa sair da casa nas noites de terça-feira em beagá. O Tranquilo até já promoveu alguns encontros de artistas em edições passadas, mas três feats em uma mesma noite é um tanto inédito.
O evento aconteceu no Spot Culture, espaço criativo multiuso que reúne skatistas na Rua São Paulo, no centro de Beagá. Além de bar com uma mesa de sinuca, o Spot Culture tem uma pista de skate com rampas e obstáculos. Neste espaço também acontecem oficinas de arte e cultura (graffiti, música, fotografia etc.), espaço de exibição audiovisual, exposições, skate shop, feira de brechós, além de uma boa estrutura de palco. As programações semanais podem ser acompanhadas clicando aqui.
Chico Bernardes + Jennifer Souza
O primeiro encontro da noite de 24 de outrubro foi Chico Bernardes (ele mesmo, o irmão de Tim Bernardes, ele mesmo, o filho de Maurício Pereira) com Jeniffer Souza (ela mesmo, do Moons, Transmissor e criadora da Mostra Cantautores). “Em São Paulo as pessoas não são tão silenciosas quanto aqui”, revelou Chico. “Acabei de conhecer o Chico. Bastou um ensaio para que um interferisse na música do outro”, explicou Jenninha.
E no palco eles se “encontraram”. Chico, um menino esguio, vinte e quatro anos, tocando um violão de nylon com a precisão de quem tem muita intimidade com o instrumento. “Quando meu irmão saiu de casa, herdei o espaço no qual Tim ensaiava e, a partir dali, fui me encontrando como artista”, explicou. Jeniffer, com toda sua maestria, devolveu timbres impecáveis de guitarra semiacústica. Neste pocket-show de Chico com a participação dele em uma música da Jeniffer e dela em uma música dele foi o primeiro feat da noite que prometia.
Jabu Morales + Déa Trancoso
Jabu Morales se tornou amiga de Déa Trancoso pela internet e o primeiro encontro “presencial” entre elas aconteceu justamente nesta noite do Tranquilo. Jabu, que há 15 anos divulga o Brasil na Europa, veio acompanhada de Alberto Becucci, acordeonista (termo que travou a língua do mestre de cerimônias Emílio Dragão que maravilhosa e descolonizadamente preferiu chamar de “sanfoneiro”). O instrumento, que interliga tantas culturas, foi divinamente executado por Becucci que nos convidou a um transe coletivo. Jabu é exímia cantora e passou por diferentes percussões com uma precisão quase erudita. Quando a imensa Déa Trancoso subiu ao palco, tambores, vozes e palmas da plateia se alinharam provocando uma verdadeira catarse.
Jéssica Gaspar + Everton Coroné
“Ouvi pela primeira vez Jéssica Gaspar, quando fui chamado para arranjar a canção ‘Asa Branca’ no estúdio do, mineiro ganhador de Grammy, André Cabelo”, revelou Everton Coroné. Jéssica Gaspar tem um daqueles timbres de voz que não se ouve por aí, uma voz carregada de ancestralidade, densa e impactante. Um show de voz e harmonia que ora se fazia em timbres de guitarra limpa e ora se fazia na maciez das notas longas de sanfona bem brasileira. O "sanfoneiro" Coroné tocando guitarra é coisa rara, e olha que ele é tão habilidoso nas cordas quanto nas teclas! Aqui não vimos apenas um feat, mas um show inteiro com a dupla entregando tudo nesse encontro memorável.
Estivemos diante de uma fração da cena musical efervescente e exuberante da cidade, que mostra sua intimidade de forma minimalista para um público de privilegiados. Abertos para o novo, amantes da tranquilidade. Quem esteve presente nesta noite presenciou encontros únicos, raros, extraordinários. Tranquilos por fora, sublimes por dentro.
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