"Quem tem o samba nunca está sozinho". Foi com essa afirmação que a cantora Roberta Sá encerrou sua apresentação na Autêntica. E quem há de negar? Afinal, o gênero secular é uma das formas de expressão nacional que melhor representa o espírito democrático de comunhão.
Quem mora em Belo Horizonte e vive a cidade culturalmente, deve ter percebido o crescimento exponencial de locais e oportunidades para se curtir uma roda de samba. Há eventos, semanalmente, espalhados nos mais variados bairros da cidade. Em total consonância com o momento, o público tem tido a oportunidade de conhecer mais de perto toda uma geração de cantautoras que, há anos, batalham por espaço nos palcos de Beagá.
Da ala feminina, artistas como Marina Gomes, Julia Rocha, Fran Januário, Adriana Araújo e Giselle Couto têm feito trabalhos de excelência em prol do fortalecimento do samba feito e protagonizado pela ala feminina do samba.
Em clima de celebração, o público que compareceu à Autêntica teve a oportunidade de ver, no mesmo palco, a já citada Giselle Couto (dona de uma das vozes mais belas e potentes da atualidade) e Roberta Sá (natalense de alma carioca) que veio a cidade com o seu show mais recente, SambaSá, em que prima por clássicos do samba e canções de sua autoria.
A Paixão é Maré
Natural de Mariana (MG) Giselle Couto vem despontando na cena desde 2002, época em que integrou o grupo Samba na Ladeira na cidade de Ouro Preto (MG). De lá para cá, sua paixão e devoção ao samba só intensificou.
Já em Belo Horizonte, Giselle fez parte de diversos projetos como o Samba da Madrugada, em 2013. Inquieta, a cantora também integrou grupos como o Flor de Abacate, o Duo de Violões Treze Cordas, fez parte do projeto “Na Batida do Samba”, participou do coletivo feminino Cai Dentro (junto a Marina Gomes e Cinara Monteiro), do coletivo de samba autoral Samba da Criação e faz parte do bloco carnavalesco Bebadosamba, cuja proposta é prestar homenagem a Paulinho da Viola.
Dona de uma voz potente, a apresentação realizada na Autêntica foi uma oportunidade para que a cantautora explorasse seu repertório autoral presente no EP Giselle Couto (2016) e no álbum Natureza (2020). Acompanhada de um quarteto, Couto desfilou sua elegância, conquistando em cheio o público que chegou cedo para vê-la. Uma versão carregada de personalidade para "Bem Que Se Quis", clássico de Marisa Monte, colocou ponto final numa apresentação marcante.
Nos Braços da Batucada
Na sequência foi a vez de Roberta Sá trazer, novamente a Beagá, sua mais nova turnê. Com quase 20 anos de estrada, no show intitulado SambaSá, a cantora coloca em evidência uma de suas melhores características que é trazer as tradições das rodas de samba cariocas de outrora para a contemporaneidade. O setlist de quase duas horas adotou um formato muito semelhante ao registro gravado no Circo Voador em 2022, no qual a cantora alternou sucessos de seu repertório com clássicos de outros artistas.
De seu mais recente EP que dá nome à turnê, vieram faixas como "A Roda" (Wanderley Monteiro / Deco Romani), "Sem Avisar" (Wanderley Monteiro), "Antes Tarde" (Nego Álvaro / Marcos Maia), "Luz da Minha Vida" (Toninho Geraes / Chico Alves) e "Nossos Planos" (Fred Camacho / Leandro Fab / Carlos Caetano). Tais canções harmonizaram bem com as músicas tradicionais de seu repertório, como "Samba de Um Minuto" (Rodrigo Maranhão) e "Interessa" (Carvalhinho) - ambas do disco Que Belo Estranho Dia Pra Se Ter Alegria (2007) - e "Ah, Se Eu Vou" (Lula Queiroga), de Braseiro (2005), trabalhos que projetaram a carreira de Sá nacionalmente.
Já da velha guarda do samba, Roberta resgatou canções de Zeca Pagodinho ("Maneiras"), Arlindo Cruz ("Nos Braços da Batucada") e Martinho da Vila ("Amanhã é Sábado"). A força feminina no samba foi lembrada e reafirmada através de clássicos de Dona Ivone Lara ("Alguém Me Avisou"), Alcione ("Sufoco"), Jovelina Pérola Negra ("Sorriso Aberto") e Beth Carvalho ("Colabora" e "Chega"). Todas foram executadas com a reverência devida e ganharam arranjos ainda enérgicos, carregados em suingue, que levaram o público presente a sambar até o final de "Delírio" (composição de Rafael Rocha), última canção da noite.
Entre uma canção e outra, Roberta prestou homenagens a Beth Carvalho falando sobre o seu legado (que vai muito além da música) e se posicionou contra a misoginia e o feminicídio.
Conclusão
O samba está em alta na capital mineira com um público consolidado e fiel. Em consequência, diversas casas de show e produtores locais voltaram a trazer artistas renomados aos palcos da cidade e abriram espaço para artistas da efervescente cena contemporânea.
A Autêntica acertou em cheio ao promover o encontro de Roberta Sá e Giselle Couto numa mesma noite, pois o bom público presente (próximo a sold out) mostrou que a cidade tem estado ávida por eventos do gênero que se prova em ascendência.
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